Não há nos dicionários, para nenhum dos outros sentidos, palavras equivalentes ao significado de ‘visionário’. Podemos dizer que alguém foi presciente ao comentar sobre um tema qualquer das ciências, por exemplo, mas dificilmente afirmaremos que foi olfativo, auditivo ou tátil. A importância da visão na linguagem é refletida por muitas outras expressões e provérbios que qualificam um sem-número de ações. Usamos, por exemplo, expressões como ‘sob esta ótica’, ‘visto que’, ‘ver para crer’, ‘quem viver, verá’ e muitas outras.

Essa peculiaridade atesta a importância da visão para quase todas as manifestações de nosso intelecto, principalmente no que tange à ciência e às artes de maneira geral. De fato, uma retrospectiva histórica por certo revelará que uma grande parcela do acervo científico se apoiou fortemente na visão. Montanhas de conhecimento foram geradas somente pela física da luz, em todos os seus aspectos, e por especialidades associadas, como a astronomia.

Uma retrospectiva histórica por certo revelará que uma grande parcela do acervo científico se apoiou fortemente na visão

Sem muito medo de exagerar, é possível afirmar que a posição do Homo sapiens como espécie que se destaca das demais por seus processos mentais deve muito à capacidade humana de transformar o estímulo luminoso em imagens.

Fisiologicamente, não surpreende que a visão ocupe no córtex cerebral humano uma área muito maior que as dedicadas aos demais sentidos. Isso resultou do processo evolutivo que privilegiou a interpretação das imagens como instrumento primordial associado à sobrevivência, à reprodução e à criatividade.

A reprodução se beneficia diretamente do processo visual, como estabelece a teoria da seleção sexual darwiniana: os integrantes de muitas espécies escolhem os parceiros reprodutivos julgando a qualidade de genes destes com base essencialmente em sua aparência.

Ao considerar esse preâmbulo, talvez se torne cada vez mais difícil encontrar seres inteligentes fora da Terra usando as tímidas tentativas do passado. Uma, que ficou célebre, foi a placa fixada à sonda espacial Pioneer 10, a primeira a sair do sistema solar, lançada em 1972.

Os astrônomos Carl Sagan (1934-1996) e Frank Drake contribuíram com sugestões sobre quais dísticos deveriam ser gravados nessa placa metálica. A placa serviria como uma espécie de cartão de visitas dos terráqueos e, portanto, deveria descrever de modo sucinto como estes são anatômica e intelectualmente.

Placa fixada à sonda espacial Pioneer 10
Placa metálica fixada à sonda espacial Pioneer 10, a primeira a sair do sistema solar, para servir como uma espécie de cartão de visitas dos terráqueos para eventuais alienígenas encontrados na viagem. (foto: Nasa)

Não foi uma tarefa fácil, pois a mensagem exigiria grande poder interpretativo dos alienígenas, mesmo supondo que fossem superdotados nesse aspecto. A opção foi um conjunto com as figuras desnudas de um homem e de uma mulher, a representação do nosso sistema solar indicando de que planeta saiu a sonda e um modelo do átomo de hidrogênio (o elemento mais abundante do universo), com informações sobre o comportamento de seu elétron.

Para complementar, um diagrama mostrava a posição do Sol em relação a 14 estrelas do tipo pulsar. A ideia era a de que, com exceção das figuras humanas, os símbolos teriam caráter universal e transmitiriam a noção de que comungávamos verdades absolutas sobre as leis científicas.

Sem a visão, dificilmente a mensagem da placa de Carl Sagan e Frank Drake enviada ao espaço seria compreendida

As opiniões sobre como seriam interpretados esses símbolos foram bastante comentadas na época do lançamento, e foram propostas diferentes versões. Mas, liminarmente, talvez poucos tenham se dado conta de que os possíveis interceptadores da Pioneer 10 teriam que dispor primariamente do sentido da visão.

Sem a visão, dificilmente a mensagem da placa de Sagan/Drake seria compreendida, mesmo que houvesse entre os alienígenas um Jean-François Champollion. A placa enviada nessa e em outras sondas representa na verdade um exemplo eloquente de nosso sentimento de húbris, ou seja, de excessiva presunção. Não bastasse a crença disseminada, entre a maioria dos humanos não familiarizados com Darwin, de que na Terra somos reis, ainda apostamos que os extraterrestres inteligentes têm que ser iguais a nós.

Franklin Rumjanek
Instituto de Bioquímica Médica
Universidade Federal do Rio de Janeiro

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