De volta para o futuro foi lançado há 30 anos, em 3 de julho de 1985. Com direção de Robert Zemeckis – que também escreve o roteiro com Bob Gale – e produção de Steven Spielberg, é frequentemente citado na lista dos melhores filmes de ficção científica de todos os tempos.
Marty McFly, um adolescente de 17 anos – interpretado por Michael J. Fox, na época com 24 anos –, vive na pacata Hill Valley, Califórnia (EUA). Seu histórico familiar não é dos melhores: o pai sofre bullying do supervisor no trabalho; a mãe tem problemas com o peso; o tio está preso; e os irmãos mais velhos ainda vivem com os pais.
Marty também tem seus problemas: é perseguido pelo diretor da escola e não consegue emplacar a banda em que é guitarrista.
A guitarra é a razão para uma improvável relação com o Dr. Emmett Brown (interpretado por Christopher Lloyd), um cientista excêntrico, daqueles frequentemente encontrados em filmes de Hollywood – mas nem tão frequentes nos laboratórios (reais) de física. O Dr. Brown desenvolve um amplificador superpotente para a guitarra de McFly.
Em 25 de outubro de 1985, o cientista marca um encontro com Marty no Shopping Twin Pines, à 1h15. Naquela madrugada, Dr. Brown apresenta sua máquina do tempo, que tem a forma de um carro esportivo da marca DeLorean. E a razão para tal esquisitice é simples: máquinas assim (ou seja, do tempo) precisam ‘de estilo’ – principalmente, no cinema. Para provar que a engenhoca realmente funciona, o doutor envia Einstein um minuto à frente do tempo corrente. Assim, aquele simpático cão passa a ser o primeiro viajante no tempo. O próximo seria o próprio cientista.
O ‘coração’ da máquina do tempo é o motor do DeLorean. Como sua potência é de 1,2 gigawatt – pouco menor que a potência nominal da usina nuclear de Angra 2 –, foi necessário usar, como combustível, plutônio (em vez do urânio de Angra 2), obtido de terroristas líbios – bem, o filme é norte-americano –, iludidos pela promessa de nosso cientista de construir para eles uma bomba nuclear. Pouco antes de sua viagem no tempo, o doutor é atacado pelos terroristas. Marty usa o carro para fugir e, acidentalmente, é enviado para 1955, quando acaba interferindo no relacionamento de seus pais.
Agora, o principal problema de Marty é fazer com que seu pai (bem desajeitado) conquiste a mãe. Se os pais não namorarem e casarem, Marty corre o risco de nem chegar a nascer. O plano do jovem é: unir os pais e retornar a 1985.
Mas onde conseguir 1,2 GW para fazer a máquina do tempo funcionar?
Sua única esperança é o Dr. Brown, 30 anos mais novo e que ainda não havia descoberto o principal mecanismo para a construção da máquina do tempo: o capacitor de fluxo.
Liberdades científicas
O filme mistura ficção científica e aventura, com doses de comédia e romance. É diversão garantida, até para quem vai só procurar os ‘furos’ científicos. Sem ter a obrigação do rigor científico, o roteiro permite várias liberdades, e mesmo os cientistas mais chatos conseguirão encontrar motivo para diversão.
É grande o número de citações e relações entre o passado alterado em 1955 e os ‘potenciais futuros’ em 1985. Em tempo: este autor é fã declarado da trilogia, apesar de as partes 2 e 3 não terem o mesmo brilho e diversão da primeira – como em quase todas as trilogias.
Uma primeira liberdade científica: o DeLorean não é só uma máquina do tempo, mas também do espaço-tempo. Quando Einstein, o cachorro, é enviado um minuto à frente de seu tempo, a Terra, segundo a explicação de Brown, teria se deslocado. Considerando apenas a velocidade da Terra em torno do Sol (cerca de 100 mil km/h) – e desprezando a do próprio Sol e da galáxia –, para que Einstein voltasse à mesma posição na Terra (no caso, ao pátio do Shopping Twin Pines), o cão teria que se deslocar com velocidade igual, mas na direção oposta.
E essa era a imposição para uma viagem de apenas um minuto; imagine, então, qual seria aquela para uma ‘distância’ percorrida em 30 anos.
Do ponto de vista da física, a viagem para o passado é muito mais complicada que a viagem para o futuro. A teoria da relatividade prevê que o tempo passa mais devagar para os que viajam em velocidades muito altas, comparáveis à velocidade da luz no vácuo (cerca de 300 mil km/s).
No entanto, não dá para ir para o passado sem se deparar com vários paradoxos. Um dos mais simples: matar os próprios pais, antes de ter nascido? Outro: se a viagem ao passado é possível, por que nunca fomos visitados por algum ser do futuro?
No filme, o aparelho responsável pela viagem espaço-temporal é o ‘capacitor de fluxo’. A junção de nomes científicos sem a devida conexão costuma levar a ideias de pseudociência, como cura quântica, para ficar em um só exemplo. Na prática, o capacitor é um componente eletrônico que acumula cargas elétricas – essa própria definição já contradiz a ideia de fluxo.
Sem o plutônio dos terroristas, a saída, em 1955, é usar a potência de um raio – na prática, é maior que 1,2 GW. Mas como saber quando e onde ele vai cair? Aí vem a engenhosidade do roteiro: sabemos, desde o início do filme, que um raio atingiu a torre da praça central de Hill Valley em um sábado de… 1955. E a hora exata desse evento (22h04) permaneceu ‘congelada’, pois o relógio da torre, mesmo 30 anos depois, nunca foi consertado.
Como o raio deve tocar o capacitor por uma fração de sua duração, o tempo de ação deve ser curto. Para isso, seria preciso uma sincronização da velocidade e da distância percorrida pelo DeLorean com uma precisão maior que aquela que os aparelhos de GPS de hoje (2015) fornecem.
Além da teoria da relatividade, há outros temas científicos em De volta para o futuro. Um deles é o fenômeno conhecido no estudo de sistemas dinâmicos não lineares – área popularmente conhecida como teoria do caos – como ‘sensibilidade às condições iniciais’: pequenas alterações em um instante qualquer do passado podem causar grandes alterações no futuro – esse efeito já foi tratado em outros filmes, como em Efeito borboleta, de Eric Bress e J. Mackye Gruber, de 2004.
Mesmo com todo o esforço de nossos protagonistas em não alterar o passado, há dicas de que isso ocorreu. Exemplo emblemático: quando chega ao passado, no local da experiência – o Shopping Twin Pines (pinheiros gêmeos) –, Marty derruba um dos pinheiros. Quando retorna ao futuro, o centro de compras foi corretamente renomeado: Lone Pine (pinheiro solitário).
Atualidades musicais e políticas
Voltando à guitarra. O filme sugere que o rock’n roll é uma música à frente de seu tempo. Por exemplo, o guitarrista norte-americano Chuck Berry recebe um telefonema de um primo com a sugestão de contratar Marty, que acaba de fazer, no baile de Hill Valley, uma apresentação para lá de virtuosa para os padrões da década de 1950, ao tocar Johnny B. Goode – por sinal, música do próprio Chuck Berry.
A apresentação de Marty faz ainda referência a Pete Townshend, da banda inglesa The Who, ao chutar a caixa do amplificador; lembra Jimi Hendrix (1942-1970), ao tocar com a guitarra nas costas; remete a Angus Young, da australiana AC/DC, ao tocar deitado no palco; e ao holandês Eddie van Halen, da banda Van Halen, que se notabilizou pela técnica de ‘martelar’ com os dedos as cordas da guitarra. O público do baile fica estupefato e nem mesmo chega a aplaudir Marty.
Depois de 30 anos, De volta para o futuro guarda elementos da atualidade. Vejamos. Em 1955, o dono da lanchonete desdenha da ideia de a cidade poder ter um prefeito negro, e o Dr. Brown tem reação semelhante ao saber que Ronald Reagan (1911-2004) será, no futuro, o presidente dos Estados Unidos. Em 1985, o prefeito de Hill Valley é negro; 30 anos mais tarde, em 2015, o presidente dos EUA também.
Alerta: não considerem que essas ‘coincidências’ separam uma informação obtida pelos roteiristas de alguém… vindo do futuro.
Thadeu Penna
Instituto de Ciências Exatas,
Universidade Federal Fluminense