Em 1913, o patologista russo Nikolaj N. Anitschkow (1885-1964) observou que a adição de colesterol purificado à dieta de coelhos induzia lesões em vasos sanguíneos muito semelhantes às que ocorrem na aterosclerose humana. Esse achado abriu um novo caminho para os estudos sobre essa doença, levando a vários ensaios clínicos de larga escala, os quais comprovaram que a correção dos níveis elevados de colesterol (hipercolesterolemia) resulta em redução significativa tanto na incidência de doença arterial coronariana quanto nas mortes causadas por ela. Não é surpresa, portanto, que a elucidação do papel do colesterol na origem da aterosclerose seja com frequência citada como uma das grandes descobertas do século 20.

Níveis de colesterol iguais ou superiores a 240 mg/dl no plasma são considerados muito elevados e associados a um aumento substancial no risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares

Hoje, níveis de colesterol iguais ou superiores a 240 miligramas por decilitro (mg/dl) no plasma são considerados muito elevados e associados a um aumento substancial no risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares. No Brasil, segundo dados da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), cerca de 77 milhões de pessoas apresentam níveis de colesterol elevados. Devido ao alto índice de mortes em decorrência de infartos e derrames, o governo brasileiro instituiu, em 2003, o dia 8 de agosto como o Dia Nacional do Controle do Colesterol.

Evidências científicas acumuladas ao longo das duas últimas décadas apontam a hipercolesterolemia como um importante fator de risco para o desenvolvimento da doença de Alzheimer. Estudos clínicos e epidemiológicos têm indicado que indivíduos com o colesterol elevado são mais suscetíveis a desenvolver essa doença.
 

Prejuízo cognitivo

Principal doença neurodegenerativa associada à idade, o Alzheimer provoca um declínio progressivo e irreversível no número dos neurônios colinérgicos – os que produzem o neurotransmissor acetilcolina, fundamental para diversas funções cognitivas, como o aprendizado e a memória. Esses neurônios se projetam, principalmente, de uma região do cérebro denominada prosencéfalo basal para outras áreas do sistema nervoso central (como o córtex e o hipocampo).

Cérebros
Estudos clínicos e epidemiológicos têm indicado que indivíduos com o colesterol elevado são mais suscetíveis a desenvolver a doença de Alzheimer. (imagem: Susan Landau e William Jagust/ UC Berkeley’s Helen Wills Neuroscience Institute)

Clinicamente, os estágios moderado e avançado da doença de Alzheimer são caracterizados por um prejuízo cognitivo severo, que inclui comprometimento da linguagem e da memória, além de mudanças na personalidade (por exemplo, uma mistura de comportamento agressivo com desilusões). Neurologicamente, a enfermidade é caracterizada pela presença, em certas regiões cerebrais, de depósitos ou placas  formadas por fibras de uma proteína alterada, denominada beta-amiloide.

O principal evento bioquímico observado em tecidos cerebrais de pacientes com a doença de Alzheimer é a profunda redução na atividade de uma enzima, a colina-acetiltransferase, que promove a síntese do neurotransmissor acetilcolina. Isso decorre da mencionada degeneração dos neurônios colinérgicos. A redução dos níveis cerebrais de acetilcolina mostra relação direta com a severidade da demência. Nesse sentido, drogas que atuem para manter níveis adequados de acetilcolina, como os inibidores da enzima acetilcolinesterase (que ‘quebra’ a acetilcolina nos espaços de comunicação entre neurônios – as sinapses – para finalizar a neurotransmissão) têm efeito importante no tratamento dos sintomas da doença.

De fato, o tratamento farmacológico atual é baseado em inibidores da enzima acetilcolinesterase (como os compostos donepezil e rivastigmina) e na memantina (que bloqueia receptores do glutamato, para impedir que esse neurotransmissor, produzido em excesso na doença de Alzheimer, tenha efeito neurotóxico, causando a morte de neurônios e perdas cognitivas). Esses fármacos atuam de modo paliativo, amenizando os sintomas e melhorando a qualidade de vida dos pacientes. 

 

O papel do colesterol 

O primeiro indício de que o colesterol poderia estar envolvido na origem da doença de Alzheimer foi obtido há pouco mais de 20 anos, a partir de estudo pioneiro do patologista norte-americano Larry Sparks e colaboradores, publicado em 1990 no periódico científico Neurobiology of Aging. Nesse estudo, o grupo observou que em torno de 70% dos indivíduos falecidos em decorrência de doença arterial coronariana também presentavam, em seus cérebros, placas amiloides (típicas da doença de Alzheimer). Já indivíduos com a mesma idade que haviam morrido por outras causas apresentavam menor quantidade de placas amiloides cerebrais. 

Um estudo demonstrou que coelhos que receberam por quatro semanas uma dieta enriquecida com colesterol desenvolviam placas amiloides cerebrais

O achado levou esses pesquisadores a suspeitar de uma ligação entre os altos níveis de colesterol (fator de risco para doença arterial) e a maior predisposição ao desenvolvimento de Alzheimer. Com base nessa observação, o próprio grupo de pesquisa de Sparks, em outro estudo, demonstrou que coelhos que receberam por quatro semanas uma dieta enriquecida com colesterol desenvolviam placas amiloides cerebrais. Essas duas observações impulsionaram grande número de estudos, do final da década de 1990 até o início da década seguinte, que buscavam entender essa relação entre o colesterol alto e o aumento na produção da proteína beta-amiloide. 

Em conjunto, esses trabalhos demonstraram que o aumento nos níveis de colesterol na membrana celular favorece a atividade de uma enzima, a beta-secretase, responsável por produzir a beta-amiloide ao ‘quebrar’ uma proteína precursora.

 

Você leu apenas o início do artigo publicado na CH 318. Clique aqui para acessar uma versão parcial da revista e ler o texto completo.

 

Eduardo Luiz Gasnhar Moreira
Andreza Fabro de Bem
Rui Daniel S. Prediger
Centro de Ciências Biológicas
Universidade Federal de Santa Catarina 

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