O corpo de um homem é encontrado dentro de uma banheira com um tiro na cabeça. Em sua mão, uma arma e, sobre seu peito, uma carta com suas últimas palavras, de despedida. Não há sinais de arrombamento na casa nem pegadas no chão do banheiro. Uma cena que à primeira vista parecia um suicídio pode muito bem se revelar um assassinato sob o olhar atento de um perito criminal.
Com a ajuda do luminol, substância que reage com o ferro do sangue produzindo luz, o perito descobre que, na verdade, a cena foi limpa e que a vítima não foi morta quando estava deitada na banheira. Ao procurar por vestígios de pólvora na mão do morto, não encontra nada, o que prova que não foi ele quem disparou a arma.
A carta de suicídio é enviada para o laboratório onde especialistas em análise de documentos descobrem que a tinta usada não é compatível com nenhuma caneta da vítima. Debaixo das unhas do morto, é encontrado um pouco de pele, um indício de que a vítima tentou se defender. Pronto, um exame de DNA desse material pode desvendar a identidade do assassino.
Essa situação de ficção, digna de séries policiais de televisão, não está longe da realidade. Com o auxílio de diferentes áreas do conhecimento, como química, física, biologia, computação e psiquiatria, a ciência forense é capaz de dar voz às evidências e solucionar os mais complicados crimes e processos judiciais.
Quando as células falam
A genética é a área da ciência forense que mais tem avançado. Basta uma pequena amostra de sangue, saliva, pele ou sêmen para identificar uma vítima ou um suspeito. “Os exames de DNA estão tão sofisticados que hoje podemos fazer testes com amostras cada vez menores e também mais antigas”, conta o biólogo e perito judicial Eduardo Paradela, consultor científico do Laboratório Vingene, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Uni-Rio).
Um exemplo disso foi a recente reviravolta que envolveu um crime ocorrido em Londres em 1910, quando o médico norte-americano Hawley Crippen foi condenado à forca por ter matado sua mulher. Na época, a esposa do médico desapareceu e a polícia julgou que ele a assassinara. A prova era um pedaço de pele, supostamente da jovem, encontrado no porão da casa do casal.
Agora, passados 100 anos, pesquisadores da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, fizeram um teste de DNA comparando a pele com o material genético de parentes vivos da vítima e descobriram que o tecido era, na verdade, de um homem.
Os pesquisadores norte-americanos analisaram o DNA mitoncondrial, que resiste mais tempo do que o do núcleo da célula. Esse tipo de material genético é passado de mãe para filhos e pode ser usado para determinar o parentesco entre duas pessoas.
Existem diversos outros tipos de exames de DNA, mas o mais comum nas investigações forenses é o que analisa o material do núcleo da célula. Ao contrário do que muita gente pensa, o exame não é feito com todos os genes de uma pessoa.
Como os seres humanos compartilham muitas sequências genéticas iguais, os testes examinam apenas determinadas regiões dos cromossomos, chamadas de microssatélites, em que há repetição das bases nitrogenadas que compõem o DNA. O padrão dessas sequências é único em cada indivíduo.
A genética está tão avançada que já é possível identificar características físicas de uma pessoa pelo seu material genético. Essa técnica inovadora foi desenvolvida por pesquisadores da Universidade Erasmus de Roterdã (Holanda) e utiliza marcadores genéticos específicos para revelar a cor natural dos olhos e do cabelo de uma pessoa.
“Esses estudos são bastante relevantes para futuras aplicações forenses, pois podem dar pistas na busca das autoridades por um criminoso de identidade desconhecida”, explica um dos responsáveis pela nova técnica, o geneticista Manfred Kayser.
No Brasil, o teste de DNA é muito popular em processos judiciais de reconhecimento de paternidade. Nas investigações criminais, esse recurso é mais utilizado para a identificação de vítimas do que para caçar criminosos. Isso porque o nosso Código Penal garante que ninguém seja obrigado a produzir provas contra si mesmo. Assim, os suspeitos só fornecem material genético para comparação se quiserem.
Em países da América do Norte e da Europa, as polícias mantêm bancos de dados com o código genético de toda pessoa acusada de algum delito.
Apesar de ser amplamente usado como prova, o teste de DNA é passível de erros. “O DNA costuma ser apresentado como algo isento de erros e inclusive muitos juízes pensam que isso é verdade”, afirma o biólogo e perito judicial do Rio de Janeiro André Smarra, professor da Universidade Estácio de Sá.
“Mas existem muitos casos de contestações judiciais e invalidação de exames.” Os principais fatores que podem influenciar no resultado do teste são a contaminação das amostras e erros de estatística.
Sofia Moutinho
Ciência Hoje/ RJ
Este texto foi atualizado para incluir a seguinte alteração:
Em vez de dizer que o teste não é 100% infalível, é mais correto afirmar que seu uso é passível de erros. (17/5/2011)