No mundo, há 0,5 bilhão de obesos. Esse é um dos números (aterrorizadores) estampados na prestigiosa revista científica The Lancet em recente edição especial sobre essa epidemia global. Entre tantos quadros e cifras (e cenários pessimistas), um artigo se destaca: grande parte dos médicos e nutricionistas tem disseminado receitas erradas para perder peso.
É provável que o leitor já tenha escutado (ou sido submetido a) fórmula aparentemente fácil de dieta: corte 500 quilocalorias/dia (usualmente, diz-se apenas 500 calorias/dia) para emagrecer. Com isso, acredita-se, a pessoa perderá peso de forma regular (aproximadamente, 0,5 kg/semana).
Os autores do artigo são taxativos: essa suposição está equivocada, porque ignora as mudanças do metabolismo do corpo com a alteração no que se come. Pior, dizem eles, leva a expectativas drasticamente errôneas sobre o quanto se emagrece.
As conclusões de Kevin Hall, dos Institutos Nacionais de Saúde (EUA), e colegas estão baseadas em um programa de computador que, segundo eles, leva em conta tanto o metabolismo quanto outros fatores na hora de planejar a dieta.
Para tornar o cenário mais visível, exemplo prático: na ‘velha’ (e atual) forma de fazer as contas, com o corte de 250 calorias/dia (equivalente a uma barra de chocolate), em três anos, a pessoa perderá cerca de 35 kg. Segundo o novo modelo, essa cifra seria algo como 11 kg, perdidos assim: metade no primeiro ano e o restante ao final dos outros dois.
O lado prático do artigo é que esse simulador está disponível (em inglês) na internet. A interface é razoavelmente amigável – é bem verdade que a coisa foi feita mais para profissionais da saúde. Com alguma paciência, é possível usar o programa. Coloca-se ali peso atual, meta desejada, nível de atividade física, sexo, idade, altura, tempo desejado da dieta etc. e, em segundos, o programa devolve tabelas de calorias, gráficos, entre outros dados.
Liderança governamental
Uma pessoa é considerada obesa caso seu índice de massa corporal – IMC: peso (em kg) dividido pela altura (em metros) elevada ao quadrado – seja maior que 30 kg/m2 – de 25 a 29,9 kg/m2 a pessoa tem sobrepeso. Normal: 18,5 a 24,9 kg/m2. Abaixo do peso ideal (por vezes, magreza preocupante): abaixo de 18,5.
Os números da obesidade mundial espantam por seu peso e volume: i) 500 milhões de pessoas são obesas no planeta; ii) cerca de 1,5 bilhão têm sobrepeso; iii) 170 milhões de crianças estão com sobrepeso ou são obesas; iv) de 2% a 6% dos custos dos serviços de saúde em muitos países estão ligados à obesidade; v) nos Estados Unidos e na região ocidental da Austrália, a obesidade já passou o tabaco em mortes por causas evitáveis; vi) em 2030, serão 65 milhões e 11 milhões de obesos a mais nos Estados Unidos e no Reino Unido, respectivamente, aumentando casos de diabetes, doenças cardíacas, derrames e câncer, com custo de bilhões de dólares em saúde pública para cada uma dessas nações.
A (pequena) parte boa do quadro é que França, Suécia e Austrália têm relatado baixa na taxa de obesidade infantil.
Segundo os autores, a obesidade é um fenômeno que se iniciou nas décadas de 1970 e 1980, em países de alta renda per capita. Alguns fatores desencadeadores, além do aumento da renda: maior consumo de alimentos (não saudáveis), mais uso de carros, elevação de empregos em que atividade física praticamente não é necessária. Desde então, a epidemia mundial vem crescendo.
Em países de alta renda per capita, a obesidade é mais prevalente em pobres, de ambos os sexos, diferentemente do que se observa em países de baixa renda, onde o fenômeno se inicia em adultos de meia idade (especialmente, mulheres) de centros urbanos mais desenvolvidos, para depois se espalhar pelo resto da população, à medida que cresce o produto interno bruto.
O aumento da obesidade em países de média e baixa renda cria um duplo problema: obesos de um lado, mal nutridos de outro. No Brasil, diz o artigo, as taxas de obesidade têm aumentado consideravelmente para mulheres de baixa renda. Mas o país ganha elogio: “Alguns países, notavelmente o Brasil, têm dado passos substanciais em programas nacionais de monitoramento, restringindo o mercado para crianças e melhorando a comida nas escolas.”
O editorial da The Lancet clama pelo estabelecimento de tratado internacional por parte da Organização Mundial de Saúde, similar ao criado por essa instituição para combater o tabagismo. São cinco pontos. Encabeça a lista: “A epidemia de obesidade não será revertida sem a liderança governamental.” E, pela leitura do especial, não será tarefa das mais fáceis.
Cássio Leite Vieira
Ciência Hoje/ RJ
Texto originalmente publicado na CH 286 (outubro de 2011).