Segundo a relatividade geral – a teoria da gravitação enunciada em 1915 pelo físico de origem alemã Albert Einstein (1879-1955) –, matéria e energia distorcem o espaço-tempo (uno indis- sociável das três dimensões espaciais com o tempo). Buracos negros seriam regiões onde essa distorção chegaria ao limite de impedir que qualquer coisa – incluindo a luz – pudesse escapar de seu interior.

Mas, em 1974, o físico britânico Stephen Hawking mostrou que buracos negros não seriam tão negros assim. Segundo a teoria quântica – que descreve os fenômenos atômicos e subatômicos –, mesmo o vácuo mais perfeito nunca está livre de uma profusão de partículas ‘virtuais’ que aparecem e desaparecem aos pares, tão rapidamente que não podem ser detectadas.

Hawking percebeu que, por vezes, as partículas virtuais de um par poderiam se materializar, uma dentro e a outra fora do buraco negro – esta última podendo escapar para longe desse corpo celeste. Nesse caso, a partícula materializada exterior do buraco negro carregaria energia positiva (+E), enquanto a do interior teria energia negativa (-E), o que drenaria energia do buraco, fazendo-o evaporar.

Assim, um observador distante veria radiação vindo da direção do buraco. E mais: essa radiação seria térmica, como aquela emitida por um corpo aquecido (carvão em brasa, por exemplo). Portanto, buracos negros, em vez de objetos completamente escuros, pareceriam ter a tonalidade cinza, por assim dizer.

Infelizmente, é virtualmente impossível medir a chamada radiação Hawking na prática. Sua temperatura para um buraco com a massa do Sol seria de apenas uns bilionésimos acima do zero absoluto (273,25 graus Celsius negativos).

Um buraco sônico é uma região de onde o som não pode escapar

Contudo, um fenômeno análogo à radiação Hawking teria – esse, sim! – chance de ser observado em laboratório. Para tanto, precisaríamos de buracos sônicos no lugar de buracos negros.

Explicando: um buraco sônico é uma região de onde o som não pode escapar. Imagine uma cuba cheia de água escoando pelo ralo.  À medida que nos aproximamos do ralo, a velocidade do fluxo aumenta. O que aconteceria se a velocidade do fluxo aumentasse a ponto de se tornar maior que a velocidade do som na água (cerca de 1,5 mil m/s)?

A resposta é que, a partir desse ponto, todo ruído – que, claro, se propaga à velocidade do som – seria inevitavelmente tragado pelo ralo, assim como um nadador é tragado por um redemoinho quando se aproxima demais de seu centro.

O que o físico canadense  William Unruh  mostrou, em 1981, é que um observador distante veria ‘pacotes’ de som vindos da direção do buraco sônico, em analogia às partículas da radiação Hawking vindas da direção dos buracos negros.

Desde então, muitos tentaram observar esse efeito, sem sucesso. No último mês de agosto, contudo, o israelense Jeff Steinhauer, do Instituto de tecnologia de Israel, afirmou ter conseguido. No lugar de água, ele usou átomos de rubídio resfriados até quase o zero absoluto, dando origem a um estado da matéria conhecido como condensado de bose-Einstein, no qual um aglomerado de matéria se comporta como um único ‘mega-átomo’.

Em um condensado de Bose-Einstein – o nome é referência a Einstein e ao físico indiano Satyendra Bose (1894-1974) – obtido com átomos de rubídio, a velocidade do som é de apenas 0,5 mm/s. Então, para criar o buraco sônico, bastou a Steinhauer gerar um fluxo no condensado com velocidade de 1 mm/s.

Fotos do condensado indicam que perturbações na densidade dos átomos de rubídio dentro e fora do buraco sônico estão relacionadas. Essas perturbações seriam os ‘pacotes’ de som já materializados, e os pacotes externos comporiam a radiação térmica que se propaga para longe, assim como predito por Unruh.

O resultado ainda precisa ser reproduzido por outros grupos. Mas é bom que se enfatize: mesmo que o experimento de Steinhauer seja confirmado, ele não prova que buracos negros emitem radiação Hawking. Afinal, buracos sônicos não são negros.

 

George Matsas
Instituto de Física Teórica
Universidade Estadual Paulista

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