Em dezembro de 2015, líderes políticos e cientistas de vários países reuniram-se em Paris, na 21a Conferência do Clima (COP-21), para debater as condições climáticas atuais e definir um novo acordo internacional sobre o clima. O Acordo de Paris foi assinado por 195 países, que se comprometeram a investir em tecnologias limpas e reduzir as emissões de gases de efeito estufa para manter o aquecimento global abaixo de 2 °C (ver ‘O ‘clima’ do Acordo de Paris’, em CH 333).
A presença de gases de efeito estufa na atmosfera tem aumentando cada vez mais nas últimas décadas. Desde o início da Revolução Industrial, em 1760, a concentração de CO2 cresceu mais de 30% – de 280 ppm (partes por milhão) para cerca de 400 ppm nos dias atuais. A taxa de aumento também se acelerou desde que começou a ser acompanhada continuamente em 1958, passando de 0,7 ppm ao ano, na época do primeiro registro, para uma média de 2,2 ppm anuais nas últimas décadas. Segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima (IPCC, na sigla em inglês), até o fim do século 21, a concentração de CO2 pode chegar ao dobro da atual, atingindo cerca de 800 ppm.
As principais causas desse crescimento alarmante estão associadas às emissões de- correntes da queima de combustíveis fósseis e às mudanças no uso do solo, como a transformação de florestas em áreas agrícolas ou urbanas. Uma consequência do aumento da concentração desses gases na atmosfera é a elevação da temperatura em até 5 °C em algumas regiões do planeta até o final do século.
O Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, órgão nacional que avalia informações científicas sobre os aspectos relevantes dessas transformações no Brasil, ressalta que é esperada uma elevação da temperatura de até 6 °C na região amazônica, além da redução em 45% do volume de chuvas, no mesmo período. Essas alterações climáticas podem trazer diversas e catastróficas consequências, como ondas de calor e estiagens ou chuvas concentradas em determinados períodos.
Tais fatores afetarão a biodiversidade, as interações entre espécies, a estrutura dos ecos- sistemas e a prestação de serviços ambientais (benefícios obtidos dos ecossistemas), resultando em grandes – e talvez irreversíveis – impactos à vida na Terra.
Simulação de ambientes
Buscando entender o que ocorrerá com as espécies ex- postas às mudanças climáticas, diversos grupos de pesquisa no mundo têm voltado seus estudos à simulação de ambientes com as condições previstas para o planeta até 2100. Destacam-se os experimentos em câmaras de topo aberto (CTAs), como mostra a figura 1A, geralmente instaladas em casas de vegetação, e os sistemas de enriquecimento de CO2 ao ar livre (FACE, na sigla em inglês), apresenta- dos na figura 1B.
Figura 1. Em A, estrutura de uma câmara de topo aberto (CTA), com 1,53 m3, para cultivo de plantas sob condições controladas de aumento de CO2 e temperatura. Em B, estrutura de um sistema de enriquecimento de CO2 ao ar livre (FACE), com 30 m de altura e 25 m de diâmetro, em funcionamento em uma floresta nativa de eucaliptos na Austrália. (foto: Leandra Bordignon)
As CTAs são geralmente usadas para experimentos mais controlados. Já os sistemas FACE, de custo bem mais elevado, têm a vantagem de poderem ser instalados em ambientes abertos ou naturais, possibilitando avaliar os efeitos no ecossistema como um todo. Em ambos os casos, as condições climáticas são controladas por sensores que regulam a concentração de CO2 (cujo gás é fornecido por cilindros) e que, em alguns casos, também regulam o aumento da temperatura (mais 3 °C em relação à temperatura ambiente, por exemplo). Um computador interligado a esses sistemas armazena continuamente dados, como concentração de CO2, temperatura e umidade.
Estudos amplos em ambientes naturais ainda esbarram no elevado custo de instalação e manutenção desses sistemas. O único experimento em floresta nativa encontra-se em andamento na Austrália (EUCFACE). Desde 2012, diversos estudos vêm sendo realizados – da atuação dos micro-organismos do solo até a fisiologia dos eucaliptos nativos – na tentativa de desvendar o que irá acontecer naquele ecossistema caso as previsões do IPCC se concretizem.
Felizmente, outros dois grandes projetos de FACE em florestas nativas estão previstos ainda para este ano: um no Reino Unido e outro na Amazônia brasileira (Amazon-FACE). Este último deve propiciar uma série de descobertas importantes, uma vez que as re- ais consequências do aumento da concentração de CO2 para organismos de florestas tropicais são ainda desconhecidas, lembrando que a Amazônia é um dos ambientes mais ricos em espécies e dos mais relevantes na manutenção do clima global.
Todavia, cabe relatar que os efeitos das mudanças climáticas não são lineares, e conhecimentos obtidos nesse ambiente não serão necessariamente os mesmos em outros ambientes tropicais onde as espécies são diferentes e organizadas de maneiras distintas. Por exemplo, embora as espécies de plantas possam apresentar respostas similares ao aumento do CO2 e da temperatura – como altas taxas de crescimento –, as consequências em um dado ecossistema podem ser o domínio de uma espécie com características invasoras, resultando em grandes problemas no funcionamento do ecossistema e até na extinção de espécies e perda da biodiversidade e de serviços ecossistêmicos.
Estudos em diversas partes do globo têm mostrado que os efeitos do aumento do CO2 variam muito entre as espécies de plantas, mas costuma ocorrer um aumento da biomassa – como o número maior de ramos e folhas – geralmente em função do incremento na fotossíntese. Porém, a maior disponibilidade de átomos de carbono (C) faz com que a grande parte das plantas acumule mais carboidratos em suas folhas, reduzindo a proporção de proteínas, pela diluição do nitrogênio (N).
A melhora na eficiência do uso de água é uma resposta comum a praticamente todas as plantas que crescem sob aumento de CO2. A produtividade de algumas também pode aumentar com o incremento deste gás na atmosfera. Mas, se essas plantas sofrerem estresse pela elevação de temperatura – com ou sem déficit hídrico – em determinadas fases do desenvolvimento, o resultado pode ser devastador, comprometendo totalmente as colheitas. Esse é um dos aspectos mais preocupantes, no contexto de mudanças climáticas, por afetar diretamente a disponibilidade de alimentos e a segurança alimentarem da humanidade. Temendo que isso ocorra e gere uma crise mundial, líderes do mundo inteiro – baseados nas pesquisas de cientistas – assinaram o Acordo de Paris.
Efeitos em ecossistemas brasileiros
Pesquisadores de algumas universidades e centros de pesquisa brasileiros vêm realizando experimentos em CTAs e estruturas de MINIFACE (o mesmo princípio de FACE, em configurações menores) a fim de conhecer os efeitos das mudanças climáticas em espécies – nativas, invasoras e cultivadas – de interesse econômico. Entre os aspectos mais importantes a serem compreendidos, estão as alterações no desenvolvimento e na fotossíntese das plantas, e a consequência disso para as espécies que interagem com elas.
Estudos realizados com duas espécies nativas – o jatobá-da-mata (Hymenaea cour-baril), da floresta Amazônica, e uma espécie de bambu (Aulonemia aristulata), da mata atlântica – mostraram que, com o aumento do CO2, ambas apresentam taxas mais altas de fotossíntese e maior crescimento. O bambu também aumentou a tolerância à seca. Com as mudanças climáticas, o estabelecimento dessas espécies pode ser mais rápido em seu ambiente natural, podendo também servir como um mecanismo eficiente de sequestro de carbono pela floresta. Porém, o desenvolvimento rápido do bambu poderia atrapalhar o crescimento de outras árvores que ocorrem na mesmo área, alterando a composição do ecossistema.
Em relação às plantas nativas do cerrado, experimentos com duas espécies da família das margaridas (Viguiera discolor e Vernonia herbacea) mostram que elas crescem mais quando a concentração de CO2 aumenta.
Além disso, essas espécies são conhecidas por acumularem frutanos – compostos químicos naturais de proteção contra a seca e outros tipos de estresse. A elevação do CO2 atmosférico aumentou a produção e o armazenamento de frutanos nessas espécies, indicando que elas poderão enfrentar melhor a seca em uma atmosfera com mais presença desse gás.
Entre as plantas cultivadas, a cana-de-açúcar (Saccharum officinarum) apresentou, ao aumentar o CO2, maior crescimento e maior teor de sacarose (substância usada na fabricação de açúcar e álcool) e menor concentração de lignina (composto que confere resistência e dureza às células das plantas), sugerindo potencial das células para expansão e acumulação de mais açúcares. Tudo isso poderia aumentar a produtividade da cana em um cenário de mudanças climáticas.
Um experimento com o famoso feijão carioca (Phaseolus vulgaris), que avaliou os efeitos do aumento de CO2 e da seca, verificou que esse gás melhorou a eficiência do uso da água. Além disso, as plantas apresentaram maior crescimento, embora não tenha havido aumento na produtividade.
Outro estudo sobre uma doença do feijão-caupi (Vigna unguiculata) conhecida como oídio e causada por fungo (Oidium sp.) mostrou que o CO2 teve efeito positivo, diminuindo a severidade da doença. Nas plantas mantidas em ambiente com mais CO2, o ataque dos fungos foi mais ameno (33%), enquanto naquelas sem o aumento do gás foi mais severo (71%).
Pesquisas como essas feitas em outros países, com várias espécies e suas respectivas doenças, apontam que o CO2 pode ter tanto efeitos positivos quanto negativos e neutros no processo de infecção de plantas.
Figura 2. Alecrim-do-campo (Baccharis dracunculifolia)
na Serra do Cipó (MG). (foto: Leandra Bordignon)
Nossa equipe no Laboratório de Ecologia Evolutiva e Biodiversidade da Universidade Federal de Minas Gerais também vem desenvolvendo pesquisas em CTAs a fim de entender os efeitos das mudanças climáticas sobre as plantas nativas, invasoras e em culturas. Experimentos com uma espécie nativa do cerrado e da mata atlântica – a Baccharis dracun- culifolia, conhecida popularmente como alecrim-do-campo (figura 2) – avaliaram os efeitos da atmosfera enriquecida com CO2 no desenvolvimento das plantas e na diversidade de fungos endofíticos – que vivem no interior das plantas e podem lhe trazer diversos benefícios (ver ‘Fungos: amigos ou inimigos’, em CH 252).
As plantas cultivadas sob elevado CO2 cresceram mais, apresentando maior raiz, altura, número de folhas e biomassa total. Porém, a diversidade de fungos endofíticos diminuiu drasticamente. Como esses organismos desempenham papel importante para a saúde das plantas, o aumento do gás carbônico poderia torná-las mais suscetíveis ao ataque de inimigos naturais e até comprometer sua adaptação ao ambiente.
Outro estudo investigou os efeitos do aumento de CO2 e temperatura previsto para 2100 em duas espécies exóticas de braquiária (Urochloa brizantha e Urochloa decumbens), que já vêm invadindo paisagens naturais no cerrado. A elevação do CO2 e da temperatura resultou em maiores taxas de germinação e chances de estabelecimento no campo. Além disso, uma das espécies se tornou mais tolerante à seca e às ondas de calor. Provavelmente, essas plantas terão um potencial invasor ainda maior frente às futuras alterações climáticas.
Também foi avaliado o incremento de CO2 e temperatura na soja (Glycine max), nas suas interações com fungos endofíticos e com uma das suas principais pragas, a lagarta Spodoptera frugiperda. Embora altas temperaturas possam comprometer o desenvolvimento da cultura por afetar o processo de fotossíntese, o aumento do CO2 favoreceu o crescimento das plantas. Entretanto, uma análise nutricional das folhas revelou que o conteúdo de nitrogênio diminuiu, tornando-as menos nutritivas. Isso poderá interferir na alimentação dos insetos (praga) que delas se alimentam. Para verificar essa hipótese, oferecemos às lagartas de Spodoptera discos de folhas cultivadas com e sem aumento de CO2, e verificamos que as lagartas consumiram 45% mais folhas cultivadas com CO2 elevado.
Essas observações experimentais indicam que, se medidas paliativas não forem tomadas, essa praga poderá ter um efeito ainda mais devastador sobre a cultura no futuro. Já o número de espécies de fungos endofíticos diminuiu drasticamente; alteraram-se as espécies presentes em folhas de soja quando as plantas foram cultivadas com mais CO2 e maior temperatura. Novamente, esses dados apontam que algumas espécies de fungos não conseguem sobreviver em plantas expostas a tais condições climáticas, o que também pode ter efeitos drásticos no desempenho das espécies.
Cenário futuro
Estudos como esses são de grande importância, pois só de plantas o Brasil tem em seu território mais de 55 mil espécies (cerca de 22% da diversidade mundial), além de biomas bastante distintos. Pesquisas sobre os impactos do aumento de CO2 e temperatura realizados apenas em ambientes florestais ou com grupos específicos de espécies não garantirão que o conhecimento obtido possa ser aplicado a outras regiões de importância similar, como os cerrados e campos, os quais vêm sendo destruídos em taxas até maiores do que a dos ambientes florestais.
A preocupação quanto ao futuro do planeta frente às mudanças climáticas aumentou o interesse em pesquisas científicas nessa área, mas ainda há muito a ser feito para que possamos entender como as espécies irão se adaptar (ou não) ao novo cenário climático.
O estado de alerta é mundial e crescente. A COP-21 marcou um momento decisivo na história, já que, pela primeira vez, todos os países envolvidos se comprometeram a combater a mudança do clima na Terra (incluindo os Estados Unidos, que não assinaram os acordos anteriores), mas a simples assinatura de um acordo não garante que as metas sejam atingidas. Assim, a ampliação desses estudos é fundamental e urgente para que possamos eficientemente nos adaptar e investir na mitigação dos impactos das mudanças climáticas.
Sugestões para leitura
OKI, Y., FERNANDES, G. W., CORREA JUNIOR, A. ‘Fungos: amigos ou inimigos?’ In Ciência Hoje, v.42, n. 252, pp. 64-66, 2008.
Base científica das mudanças climáticas. Relatório do Painel brasileiro de Mudanças Climáticas, v.1, cap.9, pp.321-346, 2015.
Impactos, vulnerabilidades e adaptação. Relatório do Painel brasileiro de Mudanças Climáticas, v.2, 419p, 2015.
Leandra Bordignon
Laboratório de Ecoanatomia e Ecologia Vegetal,
Centro Multidisciplinar,
Universidade Federal do Acre (campus Floresta)
Geraldo Wilson Fernandes e
Yumi Oki
Laboratório de Ecologia Evolutiva e Biodiversidade,
Instituto de Ciências Biológicas,
Universidade Federal de Minas Gerais
Ana Paula de Faria
Laboratório de Fisiologia Vegetal,
Instituto de Biologia,
Universidade Federal de Uberlândia.