Alguns físicos têm se proposto a estudar como nascem as palavras por meio de um jogo simples, implementado por meio de computadores, no qual agentes artificiais trocam palavras na tentativa de se comunicar.
Apenas um jogo? Não. Estratégia semelhante pode ser usada em situações nas quais seja necessário ter máquinas capazes de se adaptarem a um ambiente, como robôs destinados tanto a explorar lugares desconhecidos quanto a cumprir tarefas que não podem ser programadas com antecedência.
Aqui está você, que nos lerá, esperamos, nos próximos minutos. Para cumprir essa operação tão comum, você, leitor, deverá confiar em várias e refinadas habilidades. Entre elas, uma das mais óbvias: conhecer as palavras presentes no texto – e, quando dizemos conhecer uma palavra, entendemos a dupla composta por um signo gráfico e seu significado. Mas, olhe, pode relaxar: esse texto não é técnico; além disso, você deve conhecer umas 60 mil palavras.
Agora, o fato de uma pessoa comum conhecer, com tanta naturalidade, milhares de palavras é realmente impressionante. Basta pensar na enorme dificuldade que é tentar ensinar a um chimpanzé ou papagaio uma dezena delas.
Embora essa capacidade de os humanos manterem – sem muito esforço – um vocabulário tão rico seja uma competência bem especifica entre as nossas diferentes habilidades linguísticas, se quisermos estudá-la é necessário refletir um pouco mais sobre aspectos gerais da linguagem.
Reflexão filosófica
A palavra linguagem nos remete à capacidade humana de adquirir e usar uma língua para comunicar e realizar interações sociais. Mas não só. A linguagem é a estrutura primitiva por meio da qual podemos organizar conceitualmente nossa experiência. Ela está tão intimamente ligada com nossa representação do mundo – e tão intrinsecamente conexa com a possibilidade de pensar – que, sem ela, nem parece possível formular reflexões conscientes.
Os debates de natureza filosófica sobre essas questões são muito antigos. Exemplo paradigmático – embora, em sua perspectiva, radical – é a reflexão gerada, no começo do século passado, entre o grupo de pensadores do chamado Círculo de Viena e a filosofia da linguagem desenvolvida na Universidade de Cambridge.
Entre esses filósofos, a tentativa de associar a linguagem às estruturas básicas do pensamento – ou seja, da lógica, e, por meio dela, de forma unívoca, às realidades visíveis – encontrou grande esforço de síntese.
Nesses ambientes, transitava um jovem austríaco, Ludwig Wittgenstein (1889-1951), retratado na arte que ilustra este artigo. Depois de ter produzido obra fundamental para os destinos dessas diretrizes filosóficas, Wittgenstein retirou-se da atividade acadêmica, para se dedicar ao ensino básico no interior da Áustria.
Anos depois, ao voltar à reflexão filosófica, renegou todo o esforço da fase mais jovem e passou a repensar as estruturas linguísticas em termos de uma atividade puramente convencional, fruto do empenho cotidiano de homens envolvidos com a resolução de problemas comuns. O paradigma da linguagem parou de ser a lógica pura, para se manifestar em jogos ingênuos e simples.
Essa abrupta mudança na perspectiva desse filósofo incorpora exemplarmente as alternativas em torno das quais se continua debatendo o pensamento contemporâneo sobre linguagem.
Trabalho interdisciplinar
Nos últimos tempos, a reflexão dos linguistas vem se estruturando de forma mais pragmática, esforçando-se em identificar fatos sobre os quais seja mais simples convergir a um acordo. Um dos aspectos que influenciaram essas novas diretrizes é o fato de as habilidades linguísticas serem habilidades cognitivas.
Se refletirmos sobre os processos que permitem a um indivíduo fazer uso da linguagem, podemos diferenciar vários sistemas que interagem nessa operação – mas todos esses sistemas são identificáveis com alguma forma de atividade cerebral. Podemos reconhecer um sistema de cálculo, capaz de manipular símbolos, que, por sua vez, se relaciona com um sistema semântico, e, enfim, há os sistemas tanto sensorial quanto motor, que permitem articular a voz e a escuta.
Para o sistema de produção e percepção da linguagem, não há descontinuidade profunda entre animais e humanos. No entanto, no sistema de computação interno, está o verdadeiro diferencial dos humanos. Em particular, o que mais impressiona é sua capacidade de recombinar unidades de significado em uma variedade sem limite de estruturas maiores, cada uma diferente no significado final.
Mas linguagem não é simplesmente uma habilidade cognitiva que se manifesta em nível individual. Para se dar conta disso, basta observar que a linguagem existe porque precisamos falar. A linguagem é a espinha dorsal da interação social dos homens. E, de fato, as habilidades linguísticas geram um dispositivo para a ação comum.
Essa coleção enciclopédica de significados baseados em palavras que cada um de nós tem emerge do espaço comum no qual a comunidade de falantes se encontra; emerge por meio de práticas, experiências e saberes convividos. Nessa intuição, a língua é a tríade ‘forma-significado-comunidade’, na qual a dupla ‘forma-significado’ se define por convenção por meio dos eventos comunicativos. Os significados são, em potência, indeterminados, mas, no ato, fixados socialmente no momento da fala.
A pluralidade dessas perspectivas evidencia a necessidade de um trabalho interdisciplinar. Linguistas, biólogos, psicólogos, sociólogos, cientistas da informação, entre outros, são chamados a se empenhar em um programa colaborativo de pesquisa. Entre esses pesquisadores, os físicos também podem contribuir.
Edgardo Brigatti
Polo Universitário de Volta Redonda,
Universidade Federal Fluminense
Itzhak Roditi
Coordenação de Física Teórica,
Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (RJ)