A saúva Atta robusta está na lista de espécies da fauna brasileira ameaçadas de extinção.
Várias espécies de formigas vivem em ambientes restritos, que vêm sofrendo intensa ocupação humana nas últimas décadas. Entre elas estão formigas-cortadeiras, assim chamadas pelo hábito de cortar as folhas das plantas. Como algumas delas podem causar sérios prejuízos a culturas agrícolas, as cortadeiras são fortemente combatidas, o que pode afetar espécies menos danosas à agricultura. Esse combate generalizado e a destruição de seus hábitats já levou duas espécies de cortadeiras, Atta robusta e Acromyrmex diasi , à lista da fauna brasileira ameaçada de extinção.
 
O título deste trabalho pode parecer estranho, já que as formigas-cortadeiras em geral são vistas como uma ameaça, devido aos prejuízos que causam à agricultura. No entanto, a lista da fauna brasileira ameaçada de extinção inclui duas espécies desse grupo, Atta robusta e Acromyrmex diasi , ambas consideradas ‘vulneráveis’, por causa da redução da população e/ou da área de ocorrência. Também estão na lista, elaborada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), duas espécies de formigas não cortadeiras: Dinoponera lucida (na categoria vulnerável) e Simopelta minima (já extinta).
 
Conhecidas popularmente como saúvas (as do gênero Atta ) ou quenquéns (as do gênero Acromyrmex ), as formigas-cortadeiras são assim chamadas em função do hábito de cortar partes verdes de plantas e levá-las para dentro dos formigueiros, onde servem como substrato para o cultivo de um fungo, do qual esses insetos se alimentam. A fungicultura pelas formigas surgiu na América do Sul há cerca de 50 ou 60 milhões de anos em um ancestral das formigas da tribo Attini, que integra a subfamília Myrmicinae. Essa tribo, restrita às Américas, inclui atualmente 210 espécies descritas em 13 gêneros, e todas dependem dessa associação obrigatória (denominada simbiose) com o fungo.
 
Existem, porém, diferentes formas de cultivo do fungo. As espécies dos gêneros Atta e Acromyrmex cortam basicamente partes verdes de plantas com essa finalidade. Já as formigas dos demais gêneros da tribo Attini geralmente não cortam partes verdes de plantas (apenas poucos gêneros o fazem, mas em quantidade mínima). Em vez disso, usam, principalmente, partes mortas das plantas, além de frutos e flores caídos no chão, fezes e carcaças de outros insetos.
 
Poucas espécies são pragas
O hábito de cortar folhas faz com que algumas espécies dos gêneros Atta e Acromyrmex prejudiquem setores da agricultura, entre eles as culturas de eucalipto, laranja e cana-de-açúcar. No entanto, apenas poucas espécies, adaptadas a hábitats simplificados e a certas práticas agriculturais, causam danos significativos às plantas cultivadas. O método mais comumente empregado para combater essas formigas tem sido o uso indiscriminado de iscas tóxicas, sem levar em conta a espécie ou o nível dos danos. Com isso, podem ser prejudicadas muitas formigas que não são pragas agrícolas, e até outros organismos.
 
A maioria das formigas-cortadeiras permanece restrita a seu ambiente natural, sendo poucas as espécies capazes de se adaptar a áreas alteradas pela ocupação ou por atividades humanas – é o caso, por exemplo, de Atta sexdens . Diversas formigas-cortadeiras são endêmicas de algumas regiões brasileiras (ou seja, só existem ali) e parecem depender de condições e recursos restritos. Esse é o caso das duas espécies que aparecem na lista da fauna ameaçada.
 

Embora seja uma formiga importante em seu ambiente, há poucos estudos sobre o papel ecológico da A. robusta .

Acreditou-se por muito tempo que Atta robusta – popularmente chamada de saúva-preta – estivesse restrita ao litoral do estado do Rio de Janeiro. Recentemente, a espécie foi encontrada também no litoral norte do Espírito Santo, mais precisamente em ambiente de restinga. Mas sua situação não melhora muito, visto que a vegetação nessa nova aérea de ocorrência está fortemente ameaçada. Seus ninhos são muitos superficiais, em comparação com os de outras espécies do gênero, o que torna A. robusta mais vulnerável, e a densidade populacional da espécie é baixa nas áreas estudadas.

 
Acromyrmex diasi tem distribuição conhecida no estado de São Paulo e no Distrito Federal. A espécie exibe um comportamento interessante em áreas alagadas: as operárias constroem corredores elevados e pontes com folhas secas, o que permite a ocupação dessas áreas e a sobrevivência da colônia. Trata-se de um bom exemplo de construções feitas por insetos para adaptar-se a condições ambientais. Essa formiga entrou para a categoria vulnerável devido à acelerada ocupação do cerrado nos últimos anos, mas também é afetada pela distribuição indiscriminada de iscas tóxicas para o controle de formigas consideradas pragas de lavouras.
 
Preservação incompreendida
Como algumas espécies de formigas-cortadeiras representam pragas importantes para a agricultura, as medidas para sua preservação esbarram em problemas éticos e incompreensões por parte da sociedade. Isso ocorre porque não é fácil convencer as pessoas da importância do papel ecológico dessas espécies. Elas não trazem só prejuízos, pois também são responsáveis por benefícios como a aeração do solo e a dispersão de sementes, e ainda servem como alimento para outros animais. Segundo o entomólogo Harold Fowler, da Universidade Estadual Paulista em Rio Claro (SP), A. robusta é uma espécie-chave em seu ambiente, onde centenas de plantas e animais dependem dela para sua existência. Portanto, sua extinção levaria a uma redução significativa na biodiversidade local. Essa importância permite que a presença da espécie possa ser usada como um indicador da integridade do hábitat.
 
O Brasil apresenta imensa diversidade biológica, mas muitas espécies da fauna nacional correm o risco de desaparecer sem que conheçamos aspectos básicos de sua biologia. Essa é a situação das formigas-cortadeiras que correm risco de extinção, já que ainda há poucas informações científicas sobre essas espécies. Grande parte dos estudos conduzidos no país sobre as formigas-cortadeiras foi motivada mais por sua condição de praga do que por seu papel ecológico. Outro argumento em favor dessas formigas é o fato de que cada organismo existente hoje resultou de um longo processo de evolução. Assim, quando uma espécie é extinta, também desaparecem milhões de anos de história biológica.

Danival José de Souza (doutorando),
Instituto de Pesquisa sobre a Biologia de Insetos,
Faculdade de Ciências e Técnicas,
Universidade François Rabelais (Tours, França).

 

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