As plantas se assemelham a fábricas especializadas em produtos químicos. Por isso, os químicos de produtos naturais, antes de investigar uma planta, procuram, nas bases de dados da literatura científica, estudos feitos com espécies do gênero ou da família em questão. Essa informação é importante, porque os métodos e as técnicas de separação a serem usados no isolamento das substâncias (metabólitos) produzidas nas diferentes partes do vegetal dependem de sua natureza química.
Por exemplo, a família Violaceae, à qual pertencem as violetas, especializou-se em produzir ciclotídeos, miniproteínas cujas moléculas são ‘fechadas’ – ou cíclicas, como preferem os químicos – e formadas por 28 a 37 ‘tijolos básicos’ (aminoácidos).
Os ciclotídeos atraíram o interesse de pesquisadores não só por seu formato único, mas também por serem estáveis, graças à presença, nessas miniproteínas, de três pontes, cada uma delas formada por um par de átomos de enxofre ligados entre si. Essas pontes são resíduos de um aminoácido, a cisteína, muito usado na indústria – por exemplo, encontrado, em suas diversas formas, em aromas artificiais, massas alimentares, xampus e medicamentos para dissolver o muco.
Os ciclotídeos, por sua vez, têm suas próprias (e várias) propriedades biológicas, como veremos. Outras famílias botânicas (Rubiaceae, a do café; Solanaceae, das trombeteiras; e Fabaceae, das plantas com vagens) também contêm ciclotídeos.
Em laboratório, a tarefa de isolar, purificar e identificar os ciclotídeos não é das mais simples, mesmo para químicos experientes, que, por vezes, são obrigados a usar técnicas muito sofisticadas e equipamentos caros, como espectrômetros de massa, ressonância magnética nuclear e raios X.
Componentes do sistema de defesa da planta, alguns ciclotídeos mostraram atividade potente contra 10 linhagens de células tumorais humanas. E, ao que tudo indica, com ação diferente daquela das drogas anticâncer conhecidas. Mais: sua toxicidade para células de leucemia foi 10 vezes maior do que a observada para células saudáveis.
A estrutura compacta que confere aos ciclotídeos estabilidade excepcional e a variedade de suas atividades biológicas fazem dessa classe de substâncias naturais uma plataforma promissora para chegar a novas moléculas com potenciais aplicações terapêuticas e agrícolas.
Além disso, essas miniproteínas cíclicas podem ser facilmente manipuladas e modificadas, para melhorar sua disponibilidade no organismo, bem como sua eficácia contra alvos específicos. Os químicos começam agora a mostrar que sabem, além de isolar e identificar essas moléculas, também produzi-las em laboratório.
Mais uma vez, os químicos vão buscar na natureza os fármacos do futuro. Não é por outra razão que 60% dos medicamentos fabricados pela indústria tenham essa procedência histórica e que 70% dos antibióticos e mais da metade dos anticancerígenos sejam igualmente de origem natural. Tudo isso graças às plantas, essas fábricas verdes (e ainda inexploradas) de produtos químicos.
Angelo Cunha Pinto
Instituto de Química
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Texto originalmente publicado na CH 318 (setembro de 2014). Clique aqui para acessar uma versão parcial da revista.
Este texto foi atualizado para incluir a seguinte alteração:
A foto da abertura foi substituída, pois a anterior não pertencia a uma espécie da família Violaceae, citada no texto. (02/10/2014)