In memoriam: Cesar Lattes (1924-2005)

Lattes no caminho para o Laboratório de Física Cósmica no Monte Chacaltaya (Bolívia). Ao fundo, o Huayna-Potosí, montanha vizinha, com neve permanente e mais de 6000 m de altitude  

Aos 23 anos, após o sucesso da descoberta e da produção artificial do méson pi, César Lattes foi alçado às elevadas esferas da hermética comunidade científica internacional. Tornou-se famoso e teve à frente uma promissora carreira científica, coberta de reverências, facilidades e oportunidades de realização. Recebeu propostas de trabalho de vários centros de pesquisa e universidades estrangeiras. Entretanto, optou por retornar a seu país e usar o capital acumulado de prestígio e fama para enfrentar os problemas de uma sociedade subdesenvolvida. Essa decisão foi da maior significação e trouxe auspiciosas conseqüências para o Brasil.

 
Cesare Mansueto Giulio Lattes nasceu em Curitiba em 11 de junho de 1924. Ingressou no Departamento de Física da Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras da Universidade de São Paulo (USP) em 1942, ano em que o Brasil entrou na Segunda Guerra Mundial. Após trabalhos teóricos com o ítalo-russo Gleb Wataghin (1899-1986) e o brasileiro Mário Schenberg (1914-1990), optou pela física experimental, influenciado por outro professor, o italiano Giuseppe Occhialini (1907-1993), seu futuro colega na Inglaterra.
 
Ainda estudante, Lattes construiu e operou uma câmara de Wilson (um tipo de detector de partículas) por sugestão de Occhialini. Mas, durante a guerra, Wataghin e Occhialini, ambos cidadãos italianos, foram tecnicamente considerados inimigos civis. O primeiro foi afastado da chefia do departamento, e o outro conseguiu um emprego como guia turístico para escaladas no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, em Itatiaia (RJ).
 
Em Bristol e Berkeley
Para continuar seu trabalho com a câmara de Wilson – inviabilizada pelo afastamento de Occhialini –, Lattes convidou dois colegas do curso de física para juntos assumirem o encargo do projeto do equipamento, reconstruindo-o até a operação final. Terminada a guerra, Occhialini foi para a Universidade de Bristol, atraído pelas inovações havidas nas emulsões fotográficas que as tornavam úteis em pesquisas sobre partículas nucleares – esse tipo especial de filme fotográfico é comumente designado emulsão nuclear. Lá, recebeu uma carta de Lattes com uma foto de uma cascata eletromagnética (produção de elétrons e de suas antipartículas, os pósitrons, a partir de raios gama) obtida com a câmara de Wilson. Occhialini mostrou a foto ao físico inglês Frank Powell (1903-1969), chefe do Laboratório H. H. Wills, convencendo-o a oferecer a Lattes um estipêndio que o pudesse manter como membro do grupo de pesquisas. Assim, através de sua competência com a câmara de Wilson, Lattes foi levado às emulsões nucleares com as quais viria a descobrir, em 1947, o méson pi (ou píon).
 
O méson pi havia sido previsto em meados da década de 1930 por Hideki Yukawa (1907-1981). Segundo a teoria desse físico japonês, o píon era a partícula responsável pela força forte, que explicava por que o núcleo atômico é estável, coeso, uma questão de extrema relevância para a época. No ano seguinte, Lattes, juntamente com o norte-americano Eugene Gardner (1913-1950), detectaria mésons pi produzidos no acelerador da Universidade de Berkeley, na Califórnia. Essa detecção artificial viabilizou a construção de máquinas circulares de energias cada vez mais elevadas, em um ritmo que só recentemente se arrefeceu. A descoberta do píon em Bristol e sua detecção artificial em Berkeley estariam associadas para sempre ao nome de Lattes, tornando-o conhecido internacionalmente.

Alfredo Marques
Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (RJ)

 

 

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