Nuvens de pontos luminosos que rasgam o ar, manchas brilhantes que se assentam sobre troncos de árvores apodrecidos, lanternas caminhantes no solo ou polvilhando a superfície de cupinzeiros. Um olhar mais apurado sobre essa curiosa paisagem logo irá perceber que se trata de seres vivos com um dom especial: emitir luz. E, curiosamente, luz fria. Se tocados, esses seres não queimarão os dedos do observador curioso.

A lista dessas espécies inclui vaga-lumes e pirilampos, em pleno voo e corte nupcial, bem como cogumelos (fungos), atraindo insetos dispersores de células reprodutoras (esporos).

O brilho intenso dessas criaturas e a variedade de cores já atraíram a atenção de filósofos da Antiguidade, como Aristóteles (384-322 a.C.), que cita cogumelos bioluminescentes no Livro II da obra De Anima: “[…] algumas coisas não têm a natureza de fogo, nem alguma espécie de fogo; no entanto, produzem luz”. No Brasil, inspiraram escritores e poetas.

Crianças e adultos curiosos imediatamente se perguntam: como esses insetos e cogumelos produzem luz? Como fazem para emitir cores diferentes? Para quê? De que serve estudar esses seres?

Estas são as perguntas centrais que tentaremos responder em seguida.

Luz fria e visível

Ao longo da evolução das espécies, de forma descontínua, surgiram vários organismos capazes de emitir luz visível, de enxergá-la e de, por meio dela, comunicar-se com indivíduos da mesma espécie, bem como de perceber suas presas e seus predadores.

Diferentemente da luz de lâmpadas incandescentes, a luz biológica não produz calor. As primeiras convertem energia elétrica em luz, com baixa eficiência (cerca de 5% de luz e 95% de calor), enquanto os vaga-lumes emitem luz como um dos produtos de uma reação química, com rendimento de 45%. E sua luz é fria.

Diferentemente da luz de lâmpadas incandescentes, a luz biológica não produz calor

Essa reação luminosa, denominada bioluminescência, ocorre invariavelmente quando uma substância combustível (luciferina) do animal transfere elétrons para o oxigênio. Ou seja, a luciferina sofre a chamada oxidação. Essa reação é acelerada (catalisada) por uma enzima específica, a luciferase.

O produto da reação (oxiluciferina) é formado no estado fluorescente, instável, que, em fração de bilionésimo de segundo, perde a energia pela emissão de luz. Assim, a bioluminescência resulta da conversão de energia química dos reagentes (luciferina e oxigênio) em energia luminosa, com pouca dissipação de calor.

A bioluminescência é observada em vários organismos marinhos e terrestres luminescentes – microscópicos (bactérias, dinoflagelados e fungos) e superiores (águas-vivas, anelídeos, moluscos, crustáceos, centopeias, medusas, lulas, insetos e peixes). A cor da luz produzida por essas reações percorre todo o espectro solar: vai do azul ao vermelho mais intenso.

A natureza química e a estrutura das luciferinas e luciferases, bem como a anatomia dos órgãos emissores de luz (lanternas), variam de animal para animal, sem sugerir que tenha havido, ao longo da evolução, uma origem ancestral comum para todos esses seres. Portanto, podemos inferir que as várias cores da bioluminescência foram apropriadas para exercer diferentes funções: corte e atração sexual; localização e atração de presas; camuflagem, distração ou repulsão de um predador; agregação intraespecífica dos indivíduos (nuvens e cardumes) etc.

Mares, matas e cavernas

Não há espécies bioluminescentes de plantas, aranhas, anfíbios, répteis, pássaros e mamíferos. Os grupos de animais e fungos citados até aqui nos indicam que a bioluminescência é mais frequente no ambiente marinho e no escuro – principalmente, nas camadas mais profundas dos mares (abaixo de 200m, onde basicamente só chega o azul da luz solar) e no interior de matas fechadas ou charcos à noite. Nesses ambientes praticamente sem luz, a comunicação intra e interespécie fica facilitada.

Cupinzeiro iluminado
Cupinzeiro pontilhado de larvas brilhantes de pirilampos, no Parque Nacional das Emas, em Goiás. (foto: Reprodução/ YouTube)

Os espetáculos de bioluminescência mais famosos e visitados todos os anos por milhares de turistas no mundo são: i) a baía Fosforecente, em San Juan (Porto Rico), com ondas iluminadas pelo azul emitido por dinoflagelados (organismos unicelulares do plâncton); ii) as cavernas de Waitomo (Nova Zelândia), onde larvas de uma mosca repousam em colares de esferas gosmentas que caem do teto e emitem luz azul; iii) os cardumes de peixe-lanterna no golfo de Aqabq, no mar Vermelho, revelados por enormes manchas azuis; iv) os milhares de cupinzeiros luminosos do Parque Nacional das Emas (GO), onde larvas de um pirilampo são inquilinas da superfície dos cupinzeiros, de onde caçam suas presas aladas, atraídas pela luz verde que as larvas emitem.

Você leu apenas parte do artigo de capa da CH 330. Clique aqui para ter acesso a uma versão parcial da revista e ler o texto completo.

Etelvino J. H. Bechara
Cassius V. Stevani
Departamento de Química Fundamental,
Instituto de Química, Universidade de São Paulo

Anderson G. de Oliveira
Departamento de Oceanografia Física, Química e Geológica,
Instituto Oceanográfico, Universidade de São Paulo

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