Fica tentador relatar com as palavras acima o principal resultado de uma pesquisa recente. A técnica usada para transmitir ‘magreza’ pode dar origem a terapias personalizadas para o tratamento ou a prevenção da obesidade.
O experimento em questão começa assim: extraem-se bactérias da flora intestinal de gêmeas – isso é feito por meio de amostras de fezes. Mas, no caso, uma irmã é magra; a outra, obesa – isso ocorre em cerca de 5% dos gêmeos. Injetam-se esses micro-organismos no intestino de camundongos livres de micróbios.
Os roedores que receberam a flora das irmãs obesas ganharam mais peso e acumularam mais gordura, apesar de terem sido submetidos à mesma dieta e igual quantidade de comida que o grupo que recebeu as bactérias das magras.
Algo certamente alterou o metabolismo dos animais obesos. Mas o quê? A parte seguinte da pesquisa responde a essa pergunta – em um cenário que, certamente, faz surgir exclamações.
Vanessa Ridaura e colegas, da Universidade de Washington (EUA), puseram na mesma gaiola camundongos que haviam recebido as bactérias das gêmeas magras e aqueles que as receberam das obesas.
Camundongos praticam a coprofagia – ou seja, comem fezes. Com base nessa prática, os autores do estudo perceberam que, depois de 10 dias, os roedores obesos começaram a emagrecer e também tiveram o metabolismo alterado. Os camundongos ‘magros’ não foram afetados – ou sejam, seguiram magros e sem alteração metabólica.
Ridaura descobriu – meio na base da tentativa e erro – que as bactérias provavelmente responsáveis pela mudança de metabolismo eram bacteroidetes, que já haviam sido associadas à magreza em estudos anteriores. Segundo os autores, essas bactérias talvez estejam ocupando nichos. Evidência, nesse sentido, é um trabalho de 2009, em que se mostrou que a diversidade de bactérias no intestino de obesos é menor do que aquela em magros.
O intestino hospeda trilhões de bactérias, que quebram as moléculas de alimentos e fabricam nutrientes a partir dos alimentos. As colônias variam de pessoa para pessoa.
Depende da comida
Uma segunda parte do experimento colocou novamente juntos os dois grupos de camundongos. Mas, agora, a dieta era dividida em dois tipos: i) rica em fibras e pobre em gorduras saturadas (saudável); ii) pobre em fibras e rica em gorduras saturadas (não saudável).
No caso da primeira dieta, os resultados foram iguais aos anteriores: camundongos magros transmitiram as bactérias para os obesos, que passaram a perder peso – e, com isso, evitaram o desenvolvimento de problemas metabólicos, que podem levar a diabetes e a doenças cardiovasculares.
Mas, quando os dois grupos foram postos juntos e a dieta era não saudável, não houve a transmissão. Ou seja, os roedores magros não puderam conferir a proteção contra o aumento de peso.
Nesse caso, verificou-se que não havia bacteriodetes no intestino dos camundongos que ficaram obesos. Segundo os autores, as bactérias da magreza não conseguem se hospedar em indivíduos que não se alimentam saudavelmente. O trabalho está em Science. Ou seja, dietas não saudáveis (por exemplo, pobres em fibras) acabam inviabilizando a flora intestinal responsável pela magreza.
Um possível desdobramento desses resultados seria o desenvolvimento de terapias probióticas – micro-organismos que, na dosagem certa, fazem bem à saúde – ou à base de comidas, para levar ao intestino do indivíduo bactérias ‘emagrecedoras’.
O experimento também mostrou que os efeitos das bactérias da magreza colhidas em amostras de fezes e daquelas crescidas em laboratório foram os mesmos.
A CH já publicou texto sobre transplante de micro-organismos intestinais na edição 301.
Cássio Leite Vieira
Ciência Hoje/ RJ
Texto originalmente publicado na CH 308 (outubro de 2013).