Uma feliz conjunção da nanotecnologia, engenharia, química e biologia produziu um novo tipo de vacina que pode ser inoculado em doses muito pequenas e produzido a custos reduzidos. Promissora, essa técnica de imunização, patenteada pelos autores, emprega nanopartículas para carregar o princípio ativo da vacina diretamente a células específicas do sistema imune, evitando que o composto se dissolva em outros tecidos ou órgãos do organismo. O artigo com os resultados dos testes da nanovacina em animais foi publicado na revista Nature Biotechnology (v. 25, n. 10, pp. 1159-1164, 2007).

Praticamente todos nós estamos bastante acostumados com o conceito de vacina. De forma simples, uma vacina introduz no organismo uma substância que estimula a produção de anticorpos e de outras defesas naturais para combater elementos agressores externos. A vacina quase sempre contém compostos (ou fragmentos de compostos) tóxicos que, no caso, servem como estimulantes da produção de agentes naturais. Estes, por sua vez, combatem a presença desses compostos intrusos no organismo. Por isso, as doses das vacinas não podem ser excessivamente elevadas, sob pena de intoxicar o organismo receptor.

Além disso, a produção e a purificação desses compostos podem ser bastante dispendiosas, o que também incentiva o uso de pequenas doses das vacinas. Essas duas características (toxicidade e custo) colocam um grande desafio para aqueles que estudam o desenvolvimento de novas técnicas de imunização: como aumentar a eficiência do estímulo à produção das defesas orgânicas com doses mínimas dos agentes estimulantes?

A simples inoculação dos agentes estimulantes no organismo receptor na forma de uma solução (como usualmente é feito nas técnicas de imunização) não é muito eficiente. A razão é simples: os compostos se espalham nos fluidos orgânicos e não atingem, de forma específica, os elementos responsáveis pela produção dos anticorpos e pelas defesas naturais do organismo, ou seja, as células dendríticas residentes nos linfonodos (ou gânglios linfáticos).

Estes são pequenos órgãos que existem em diversos pontos da rede linfática e atuam na defesa do organismo, produzindo anticorpos. Já as células dendríticas são estruturas que detectam que algo vai mal no organismo, estimulando a produção dos anticorpos pelo sistema imunológico. Para atingir as células dendríticas em concentrações suficientemente altas, para que a resposta imunológica possa ser disparada, as doses de antígenos inoculadas no organismo devem ser relativamente elevadas.

Direcionamento específico
A idéia básica que um grupo de pesquisadores da Escola Politécnica Federal de Lausanne (Suíça) vem explorando para aumentar a eficiência das vacinas (e assim permitir a inoculação de doses muito pequenas, reduzindo a toxicidade e o custo) é produzir estimulantes que possam ser direcionados de forma mais específica às células dendríticas residentes nos linfonodos, evitando a dissolução em outros tecidos e órgãos do organismo.

Para atingir esse objetivo, propõe-se que o antígeno seja fixado sobre pequenas partículas (nanovacinas), de dimensões nanométricas (o nanômetro, cujo símbolo é nm, é a bilionésima parte do metro), que então são inoculadas como carregadoras do estimulante diretamente para o sistema linfático.

Como as partículas têm dimensões bastante superiores às das dimensões de uma molécula (as nanopartículas têm diâmetro característico de 25 nm, enquanto as moléculas têm dimensão média inferior a 1 nm), elas não se dissolvem nos fluidos orgânicos. No entanto, como as partículas são suficientemente pequenas, elas são arrastadas pelas correntes fluidas intersticiais (entre tecidos e células) diretamente para a corrente linfática, atingindo, de forma mais precisa e eficiente, as células dendríticas presentes nos linfonodos. Testes realizados em animais pela equipe liderada por Jeff Hubbell e Melody Swartz mostram que a nova técnica de imunização é bastante promissora e pode reduzir significativamente os custos e a toxicidade do procedimento.

Para que a técnica possa funcionar a contento, são fundamentais alguns pontos: i) a partícula carregadora tem que ter a correta composição (para que não prejudique o organismo e permita a suportabilidade do antígeno); ii) a partícula tem que ter o correto tamanho (para que seja carregada pelas correntes intersticiais e não se dissolva nos fluidos orgânicos); iii) a suportabilidade tem que ser eficiente (deve ser desenvolvida uma técnica de imobilização do antígeno sobre a partícula do suporte); iv) o antígeno tem que ser corretamente desenvolvido (para sensibilizar as células dendríticas e promover a produção dos anticorpos e demais mecanismos de defesa orgânica). Trata-se, portanto, de um esforço multidisciplinar, que deve mobilizar não apenas médicos e biólogos, mas também químicos e engenheiros.

Para produzir as partículas, podem ser usadas técnicas (polimerização em emulsão) muito utilizadas para fabricar tintas e vernizes (entre muitos outros produtos de dimensão nanométrica). Para posicionar os antígenos sobre as partículas, podem ser empregados métodos (fisissorção e quimissorção) bastante comuns na produção de moléculas biológicas que aceleram certas reações químicas (catalisadores enzimáticos).

A boa notícia para os brasileiros é que essas tecnologias são dominadas por pesquisadores e técnicos do país, de maneira que a ciência brasileira pode se lançar imediatamente aos estudos nessa área.

José Carlos Pinto
Programa de Engenharia Química,
Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe),
Universidade Federal do Rio de Janeiro 
 

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