Para o químico britânico Harold Walter Kroto, fazer ciência é como lutar com o melhor pugilista de todos os tempos. Com muito esforço, é possível avançar. Mas, ganhar, nunca.
No seu caso, o avanço foi de peso e, com ele, Kroto ganhou o Nobel de Química de 1996. Onze anos antes, com Richard E. Smalley e Robert F. Curl Jr., da Universidade Rice (EUA) – igualmente laureados –, o químico descobriu acidentalmente moléculas ‘gaiolas’ estáveis com 60 átomos de carbono.
O fulereno, como foi nomeada a estrutura – em homenagem ao arquiteto Buckminister Fuller (1885-1983), criador de domos geodésicos semelhantes –, é uma esfera fechada, com cavida¬de oca e a mesma geometria da bola de futebol. Hoje, é um dos ícones da nanotecnologia.
Embora não goste de falar em aplicações – afinal, é um químico teórico –, Kroto aposta nas possibilidades abertas pelo campo. Por outro lado, enfatiza que é necessário avaliar racionalmente os potenciais riscos a ele atrelados. “Devemos ter o máximo de cuidado para não jogar fora o bebê junto com água do banho”, pondera.
O químico participou do 61º Encontro de Prêmios Nobel em Lindau, que reuniu 23 laureados e cerca de 600 jovens cientistas no fim de junho, no sul da Alemanha. Na ocasião, conversou com a Ciência Hoje sobre a descoberta do fulereno, sobre fazer ciência e as promessas e perigos da nanotecnologia.
Hoje na Universidade do Estado da Flórida (EUA), Kroto enche a boca para falar de seu novo projeto de educação científica, “cuja ideia é sacudir todo o processo educacional”. A iniciativa consiste na criação de material audiovisual educativo com conteúdos científicos, atividades e ideias para ser usado por professores de ciência em todo o mundo. Para expandir o projeto, ele está atrás de US$ 10 milhões.
Você estudava a química das estrelas quando descobriu o fulereno. Como de uma coisa chegou a outra?
Quando comecei a fazer pesquisa, estava interessado na dinâmica de moléculas. Com meu colega David Walton, fiz, na Universidade de Sussex, uma grande cadeia de moléculas de carbono que vibrava como uma corda de violino. Isso foi em meados de 1970.
Alguns anos depois, a radioastronomia possibilitou a detecção de moléculas no meio interestelar. Fomos trabalhar nisso e acabamos descobrindo moléculas de carbono entre as estrelas.
Nos anos 1980, o surgimento da astronomia infravermelha permitiu que fôssemos ainda mais longe. Com esse novo recurso, pudemos observar que as moléculas de carbono que havíamos descoberto eram expelidas por determinadas estrelas.
Sugeri a colegas da Universidade Rice, no Texas, um experimento para simular as condições em uma dessas estrelas com uma técnica de vaporização a laser sobre a grafite. A ideia era verificar se seria possível produzir cadeias de carbono como elas.
Fizemos o experimento e funcionou perfeitamente. Ainda tivemos uma grata surpresa. Os átomos de carbono não só foram produzidos em longas cadeias como também se embrulharam no formato de uma esfera com o mesmo padrão de uma bola de futebol, estrutura que batizamos de fulereno.
Essa estrutura tem 60 átomos de carbono, enquanto uma bola de futebol tem 60 vértices. Arquimedes e Leonardo da Vinci já haviam desenhado essa figura. E nós descobrimos que ela é uma estrutura geométrica fundamental do universo. O mais interessante é que a descobrimos totalmente por acaso. Melhor ainda é que quiseram me dar o prêmio Nobel por isso. Aceitei, fazer o quê? Infelizmente, tive que dividi-lo com outras duas pessoas [risos].
O que considera mais interessante nessa descoberta?
Algumas pessoas já conheciam a existência dessa figura e acreditavam que seria possível construí-la, mas ninguém esperava que uma estrutura tão simétrica, bela e elegante fosse capaz de se formar sozinha. O principal aspecto da descoberta foi o entendimento de como ocorre essa automontagem.
Fizemos vários experimentos. As pessoas disseram que estávamos errados. Mas, quatro anos depois, um grupo alemão-americano, liderado por Wolfgang Krätschmer, de Heidelberg, e Donald Huffman, de Tucson, provou que estávamos corretos. O fulereno se transformou no ícone da nanociência e da nanotecnologia, mesmo sem as pessoas entenderem direito o que são essas áreas.
O que o senhor acha que as pessoas deveriam saber sobre nanotecnologia?
As pessoas costumam achar que a nanociência – a parte fundamental – e a nanotecnologia – a parte aplicada – são apenas coisas pequenas. O interessante desse campo não é que trabalhamos com partículas muito pequenas, mas que podemos estudar átomo por átomo, molécula por molécula, de um sistema funcional.
Queremos construir materiais juntando essas pequenas estruturas e vendo-as se transformar num conjunto. Se usarmos esse conceito, podemos considerar o nosso corpo a criação nanotecnológica mais formidável da natureza, um sistema muito útil e funcional, formado átomo por átomo, molécula por molécula.
No caso dos políticos, o sistema não é tão funcional nem muito útil. Eles seriam, portanto, alguns dos aspectos negativos da nanotecnologia [risos]. Na verdade, a nanotecnologia é a química do século 21 e podemos ficar entusiasmados com suas possíveis aplicações.
Carla Almeida*
Ciência Hoje On-line/ RJ
*Colaboraram Gabriela Reznik e Sofia Moutinho