Um novo medicamento, mais eficaz contra diversos tipos de alergia, pode ser criado em breve como resultado de uma pesquisa realizada com proteínas alergênicas extraídas das sementes de mamona ( Ricinus communis ). Pesquisadores da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf) trabalham em um remédio que atuará na fase inicial do processo alergênico, evitando que os sintomas se manifestem.
O primeiro passo do projeto, coordenado pela bioquímica Olga Lima Tavares Machado, no Laboratório de Química e Função de Proteínas e Peptídeos (LQFPP), do Centro de Biociências e Biotecnologia da Uenf, foi identificar a estrutura primária (determinar a seqüência de aminoácidos) de diversas proteínas alergênicas presentes na torta de mamona (nome dado aos resíduos resultantes do processo de extração de óleo da semente) e mapear seus epítopos. Epítopos são as regiões da proteína que se ligam às imunoglobinas, sobretudo a imunoglobulina E (IgE, anticorpo fundamental envolvido nessas reações), desencadeando o processo alérgico.
Com os dados em mãos, os pesquisadores perceberam que certos aminoácidos apareciam de forma constante nos epítopos e decidiram investigar suas interações com a IgE. Confirmada a hipótese de que esses aminoácidos eram fundamentais na ligação entre os epítopos e a IgE, o grupo da Uenf desenvolveu um medicamento que ocupa essas ligações antes que os epítopos das substâncias causadoras de alergia possam fazê-lo.
Até o momento todos os testes do novo medicamento foram feitos em mastócitos de ratos (células associadas ao tecido conjuntivo), e os excelentes resultados levaram os pesquisadores a fazer um pedido de patente junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). O próximo passo, que depende apenas da aprovação da Comissão de Ética em Pesquisa (Coep), é realizar testes em basófilos humanos, células também envolvidas em processos alergênicos e que podem ser isoladas com facilidade, pois circulam livremente no sangue.
Recebida a permissão, a bioquímica acredita que já em seis meses será possível dizer se, em seres humanos, os epítopos identificados também se ligam à IgE humana, causando alergia. Ela atribui a rapidez nos resultados a anos de pesquisa dedicados ao desenvolvimento da metodologia. A partir dos novos dados, a intenção é criar parcerias com empresas farmacêuticas para o desenvolvimento final do remédio.
Risco no ar
O estudo da alergia causada pela torta de mamona adquire maior relevância nos dias atuais, uma vez que especialistas pensam em usar as sementes da planta como uma fonte importante na produção de biodiesel, combustível no qual o Brasil tem investido pesadamente. No entanto, para cada tonelada de óleo extraída, é produzida 1,28 tonelada de torta de mamona, contendo cerca de 12 kg de proteínas alergênicas. Esse resíduo é utilizado como adubo, podendo provocar alergia em pessoas que trabalham no campo. Por outro lado, as proteínas alergênicas estão presentes também no pólen, que, ao ser disperso pelo ar, pode causar sensibilização mesmo em pessoas que nunca tiveram contato com a planta. Assim, indivíduos que estejam em contato com os alergênicos da mamona podem se tornar propensos a desenvolver outros tipos de alergia. Esse é o motivo pelo qual o remédio também pode ser útil no tratamento de alergias causadas por alérgenos de outras fontes.
Os antialérgicos atuais são conhecidos como anti-histamínicos por atuarem inativando a histamina liberada dos mastócitos ou basófilos, após os epítopos terem se ligado à imunoglobina E. A histamina é a responsável por diversos sintomas da alergia, como o aparecimento de lesões na pele, nos olhos e dificuldades respiratórias. O novo medicamento, ao atuar em uma fase bastante anterior, impedindo a liberação da histamina, promete resultados mais eficientes.
O grupo de Olga Machado é o único no país a trabalhar na área de alergias relacionadas à mamona. A equipe vem também trabalhando no desenvolvimento de um processo para desativar os alérgenos presentes na torta da mamona, visando à obtenção de uma torta que possa ser utilizada com segurança.
Mariana Ferraz
Ciência Hoje/RJ