Cerca de 30 mil artigos publicados em periódicos internacionais, mais de 230 mil pesquisadores e a 13ª maior produção científica do mundo. Apesar desses números, o Brasil ainda não tem conseguido traduzir o investimento em ciência e tecnologia na obtenção de patentes.
O país ocupa hoje a 47ª posição no ranking mundial de inovação, segundo levantamento feito este ano pela escola de negócios Insead em parceria com a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi), entre outras instituições. A pesquisa analisou, em meio a outras variáveis, o número total de patentes de 125 países.
Internamente, o quadro ajuda a compreender o desempenho internacional brasileiro. Dados do Instituto Nacional de Patentes (Inpi), órgão responsável pela concessão de registros no país, indicam que, apesar do crescimento nos últimos 10 anos, o número de pedidos não passa de 30 mil ao ano e o de concessões, de 4 mil.
A situação torna-se ainda mais delicada se considerarmos que, desse montante, apenas 35% – cerca de 1.400 – são resultantes de pesquisas brasileiras; o restante corresponde a solicitações de proteção de uso de invenções feitas por outros países, em especial os Estados Unidos e outros da Europa, como a Suíça e a França, para uso em terras brasileiras.
No que concerne às patentes internacionais, registros de invenções brasileiras em outros países do mundo, o Brasil ocupa o 24º lugar do ranking feito pela Ompi referente a 2010, ano em que o país registrou pedidos de 442 patentes, e os Estados Unidos, primeiro colocado, depositou 44.855.
Desinformação
Por que o Brasil produz tão poucas patentes? Na avaliação do diretor de patentes do Inpi, Júlio Moreira, o baixo número de registros pode ser explicado, entre outros motivos, por uma cultura que ainda privilegia a publicação do artigo e não a proteção daquilo que ele pode trazer de inédito.
Como a novidade é um dos requisitos para o patenteamento, conforme a Lei 9.279, de 1990, a pesquisa que já foi publicada ou mesmo apresentada em eventos científicos perde a qualidade de ‘nova’ e não pode ser registrada.
A desinformação sobre o registro é outro fator apontado pelo diretor para o reduzido número de patentes nacionais: muitos inventores, especialmente os autônomos que não contam com o respaldo de uma universidade ou instituição de pesquisa para orientá-los, têm seus pedidos indeferidos por não seguirem o padrão determinado.
Os problemas vão desde a descrição imprecisa da invenção e documentação incompleta à perda dos prazos para recursos estabelecidos pelo processo. “Do total depositado, pelo menos 10% é indeferido, muitos deles por questões como essas, e nem chegam a ter seu conteúdo analisado”, diz Moreira.
Soma-se ainda ao quadro o tempo gasto em média para a apreciação do pedido, que hoje chega a oito anos, ao passo que, nos Estados Unidos, fica em torno de três a quatro anos. Segundo o diretor, a limitação da estrutura funcional da entidade e de profissionais para a análise acaba se refletindo sobre o estudo das solicitações e, em consequência, no número de patentes deferidas.
“Estamos tratando com o Ministério [do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, órgão ao qual é vinculado] e devemos ainda este ano receber recursos para aumentarmos nossa capacidade, contratando mais servidores. Com isso, esperamos re¬duzir o tempo de análise de oito para quatro anos até 2015.”
Falta pesquisa na empresa
Para o advogado especialista em propriedade intelectual Renato Dolabella, a concentração das pesquisas no meio acadêmico e o baixo investimento do setor privado em inovação são razões que explicam o porquê de tão poucas patentes geradas anualmente.
“Isso ocorre tanto porque há pesquisadores que se contentam apenas com a publicação do artigo e não buscam concluir a transferência de tecnologia, quanto porque há poucas empresas investindo em pesquisa”, enumera.
Segundo Dolabella, existe ainda certo preconceito entre os cientistas em relação às patentes, como se fosse mesquinharia lucrar a partir de determinada invenção. Ele rebate as críticas explicando que a patente desempenha uma função de incentivo à pesquisa, que é um investimento naturalmente arriscado. “Se não houver possibilidade de ganho, muita gente pode não se dedicar a esse empreendimento, e a sociedade é prejudicada.”
Para que os interesses dos titulares das patentes não se sobreponham aos da coletividade, o monopólio sobre a licença é limitada a 20 anos e seu exercício é fiscalizado por órgãos como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), entidade ligada ao Ministério da Justiça que visa coibir o abuso de poder econômico.
De modo geral, tanto a legislação quanto a estrutura para a obtenção de patentes brasileiras são boas, mas precisam amadurecer em alguns pontos, segundo Dolabella.
“Os grandes desafios na área de patentes atualmente são: primeiro, estimular o hábito do registro e, paralelamente, incentivar as empresas a investir em pesquisas; depois, fortalecer a estrutura do Inpi para que o processo de análise seja mais célere, sem perder a qualidade que tem hoje.”
Conhecimento livre
Na avaliação de Lea Velho, professora do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), invenções, em especial as custeadas com verbas públicas, não deveriam ser patenteadas. “O registro, muitas vezes, acaba por coibir o acesso da população à inovação e até impedir que algumas pesquisas com menor apelo comercial se tornem produtos concretos.”
Contrária à ideia de patentes, a pesquisadora critica ainda a remuneração que é recebida pelos pesquisadores envolvidos diretamente com a invenção, uma vez que eles já são pagos pelo trabalho que exercem e por excluir muitos outros profissionais que contribuíram de alguma forma com aquele estudo.
“Como se registrar um conhecimento que foi gerado a partir de tantas outras fontes e que implica a participação de tantos atores sociais que não são reconhecidos tantas vezes?”, indaga.
Apesar da importância da questão, Velho vê como prioritário o debate sobre as estratégias das universidades e centros de pesquisa para seu desenvolvimento científico. Segundo ela, as universidades precisam articular melhor suas iniciativas, elaborar uma agenda de trabalho considerando as áreas nas quais devem concentrar seus esforços.
“É preciso primeiro trabalhar a outra ponta, a da produção de conhecimento, e depois pensarmos no seu registro.”
Desireé Antônio
Especial para Ciência Hoje/ MG