Rodolitos são estruturas esféricas encontradas no fundo do mar, semelhantes a corais, porém formadas por algas calcárias. Cada nódulo serve de hábitat para peixes e pequenos invertebrados. Na região de Abrolhos, que se estende da costa norte do Espírito Santo ao litoral sul da Bahia, um conjunto deles ocupa 20,9 mil km2, o equivalente à área de países como Israel, El Salvador ou Belize.
Pesquisadores que estudam a região calculam que o manto de algas levou cerca de 10 mil anos para se formar. Só agora, porém, foi possível classificar precisamente sua extensão: trata-se do maior banco de rodolitos do mundo.
A descoberta, publicada recentemente na revista científica PLoS One, é de um grupo de pesquisadores da Rede Abrolhos, composta pelas universidades de São Paulo, federais do Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco e Rio de Janeiro (UFRJ), estaduais de Santa Cruz (BA) e Maringá (PR), Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro e pela organização não governamental Conservação Internacional.
“Rodolitos são fundamentais em seu ecossistema, já que agregam biodiversidade”, explica o zoólogo Rodrigo Leão de Moura, da UFRJ. Além disso, o calcário produzido pelas algas, ao entrar na cadeia alimentar do oceano, dá origem à carapaça de crustáceos, moluscos e até de corais.
Mas, ao mesmo tempo em que a dimensão do banco de rodolitos na região de Abrolhos é revelada, os pesquisadores alertam para o risco a que estão expostas essas algas calcárias. A acidificação do mar, consequência da elevação dos níveis de CO2 na atmosfera, é a principal ameaça. “Uma pequena redução do pH da água do mar é capaz de dissolver estruturas carbonáticas de recifes, atóis e bancos de rodolitos”, diz o biofísico Gilberto Amado Filho, do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico. “Essa é mais uma demonstração da necessidade de se discutir o controle das emissões de carbono”, diz Rodrigo Moura.
Outro processo preocupante é a atividade de mineração de calcário para uso nas indústrias agrícola e de construção civil. Por causa do tamanho e por estarem desprendidos do solo e em áreas rasas (entre 20m e 110m de profundidade), os rodolitos podem ser extraídos facilmente com bombas de sucção.
“Os rodolitos são excelentes fontes de calcário”, diz Moura. Mas ele explica que, embora sejam estruturas bioconstruídas, os rodolitos não podem ser considerados renováveis. “Cada nódulo leva centenas de anos para se formar”. A atividade de mineração em Abrolhos não é autorizada, mas, segundo o pesquisador, há várias solicitações de alvará para exploração de calcário na região.
O banco de Abrolhos compreende uma área de 46 mil km2 do oceano Atlântico e detém a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul. Além da diversidade de corais (abriga 19 das 21 espécies conhecidas no Brasil), a região é um dos principais locais de reprodução da baleia-jubarte no mundo. Mas sua preservação, assim como a de outras áreas do país com elevada biodiversidade marinha, gera embate entre pesquisadores, políticos e ambientalistas (ver ‘Polêmicas à vista
A descoberta
A revelação do tamanho do banco de rodolitos de Abrolhos, que recebeu destaque na seção de notícias da revista Science, começou com um trabalho de topografia. Para isso foi utilizado um sonar de varredura lateral, tipo de equipamento que gera ondas sonoras e, a partir do retorno do som, gera uma imagem 3D do fundo do mar. O resultado da análise chamou a atenção dos pesquisadores, segundo Moura. As ondas sonoras eram refletidas como se o solo fosse rochoso. “E não era; estava muito mais para plano.”
O segundo passo foi enviar veículos submarinos de operação remota equipados com câmeras, que mostraram a presença de rodolitos em toda a região. Os pesquisadores partiram então para a fase de estudo dessas estruturas. Mergulhadores recolheram exemplares de nódulos para identificar as espécies de algas e estudar características como tamanho médio, percentual de superfície viva e taxa de crescimento.
Os pesquisadores conseguiram identificar seis espécies de algas que formam os rodolitos na região (Hydrolithon rupestre, Lithophyllum stictaeforme, Mesophyllum engelhartii, Sporolithon episporum, Neogoniolithon brassica-florida e Lithothamnion crispatum).
O zoólogo da UFRJ explica que o rodolito é redondo porque anualmente, na época das frentes frias, o movimento das marés faz com que a alga role no fundo do mar. “Com um dos lados sobre o solo, ela só consegue crescer no sentido oposto.” No ano seguinte, a alga volta a rolar e passa a crescer na outra direção. O aumento de tamanho é de poucos milímetros por ano e ocorre com a mineralização do esqueleto da alga, rico em carbonato de cálcio.
Há bancos de rodolitos em todos os oceanos, com concentrações mais significativas nos mares do sul do Japão, oeste da Austrália, nordeste do Canadá, na costa leste do Caribe, no Golfo da Califórnia (Estados Unidos), no Mediterrâneo e ao longo da costa de Noruega, Irlanda e Escócia. Estão sempre próximos do continente porque se estabelecem apenas em águas rasas.
Pesquisadores destacam que os rodolitos têm um importante papel na regulação da concentração de carbono na atmosfera ao absorver o gás carbônico que se dilui na água para transformá-lo em carbonato de cálcio.
Iniciativas que a princípio parecem preservar os bancos de rodolitos do litoral brasileiro têm se mostrado polêmicas. Em Abrolhos, a discussão gira em torno da ampliação de seu parque nacional marinho, cuja área (880 km2) corresponde a menos de 2% do banco recifal. Por pressão de ambientalistas, o governo federal propôs em maio passado ampliar o parque para uma área 10 vezes maior, além de criar três unidades de conservação em seu entorno. A expectativa era de que o decreto que multiplica a área fosse assinado em junho. Mas isso foi adiado após críticas da comunidade científica, que defende que a nova demarcação se faça a partir de um planejamento adequado. “Pode parecer que somos contrários à preservação, mas de fato não queremos que a ampliação se dê de modo abrupto”, diz Gilberto Amado Filho.
Já na região Sul, pesquisadores são contrários à transformação da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo, que abrange 176 km² do litoral de Santa Catarina, em parque nacional. A mudança tem apoio da bancada catarinense no Congresso e de representantes do ICMBio. Eles alegam que o envolvimento de comunidades do entorno contribuiria para preservar a área, além de estimular o turismo. O biólogo Paulo Horta, coordenador do Laboratório de Ficologia da UFSC, afirma que o acesso de barcos a áreas hoje intangíveis da reserva poria em risco as populações de rodolitos da região, que se concentram nas proximidades das ilhas do Arvoredo, Deserta e Galés.
Célio Yano
Ciência Hoje/ PR
Texto originalmente publicado na CH 295 (agosto de 2012).