Imagine um casal à beira de um lago, contemplando uma noite estrelada. Digamos que um deles estude astrofísica. Assim, ele (ou ela) saberá que, para além do céu plácido dos namorados, há regiões catastróficas, plenas de fenômenos violentos, ambientes pouco acolhedores a qualquer ser vivo. Por exemplo, em uma região bem pequena do céu, na galáxia Centauro A, pode-se observar, com radiotelescópios, um jato de matéria e radiação que se mantém coeso por quatro anos-luz, ou seja, 40 trilhões de quilômetros de extensão.
Que fonte de energia impulsiona um fenômeno assim, algo absolutamente superlativo a 12 milhões de anos-luz de nós?
No século 19, explicar a luminosidade do Sol era um problema, pois só se conhecia a gravidade como fonte de energia para os corpos celestes. À medida que a idade da terra passou a ser conhecida com relativa precisão, estimativas muito inferiores para a idade do Sol feitas por físicos continuavam a causar controvérsias com os geólogos e os evolucionistas. Tal questão só foi resolvida no final da década de 1930, com base hipótese da produção de energia nuclear no interior do Sol, o que garante a estabilidade dessa estrela por alguns bilhões de anos.
Nas voltas que o mundo dá, os físicos deste século tiveram que recorrer de novo à gravidade para explicar a produção de energia dos objetos mais luminosos no céu – e, nesse caso, fontes nucleares são totalmente inadequadas.
Sabemos hoje que é a conversão da energia gravitacional em radiação que está por trás de tais fenômenos extremos. Essa conversão, deflagrada e caracterizada pela captura de matéria, chama-se acreção, a qual ocorre, quando uma estrela ‘suga’ gravitacionalmente a matéria de sua vizinhança – meio interestelar, nuvens moleculares ou mesmo de outra estrela.
A luminosidade de acreção (a quantidade de energia por unidade de tempo produzida nesse processo) é diretamente proporcional à massa do objeto (estrela, buraco negro etc.) e inversamente proporcional ao seu raio. Portanto, quanto mais maciço e compacto for o objeto, mais forte será a luminosidade de acreção. Um cálculo simples mostra que, para uma estrela de nêutrons com massa igual à do Sol (ou seja, uma massa solar) e uns 10 km de raio, a eficiência de conversão de uma da – da massa em energia é 20 vezes maior por acreção que por fusão nuclear – este último processo ocorre no interior das estrelas.
Hoje, consideramos a acreção como a fonte mais eficiente de energia no universo.
De todos os objetos celestes que se alimentam de acreção, sem dúvida o mais exótico e mais presente na mídia é o buraco negro. A recente detecção direta de ondas gravitacionais pelo experimento LIGO (ver CH 334) explicitou a existência desses corpos com massas dezenas de vezes maiores que a solar – mas há evidências de que existam alguns com 100 bilhões de massas solares no núcleo de galáxias ativas. Um buraco negro se forma quando a autogravidade faz uma quantidade de matéria colapsar para densidades tão altas que nem mesmo a luz consegue escapar do campo gravitacional dele.
E aqui voltamos ao nosso casal à beira do lago: se pudéssemos enxergar ondas de rádio, os dois poderiam ver uma enorme mancha brilhante – 20 vezes mais brilhante que a Lua! – na direção da galáxia Centauro. E um deles – aquele com conheci- mento sobre astrofísica – saberia que, no centro daquele belo ‘borrão’ cósmico, habita um desses buracos negros supermaciços, o qual emite uma fração da matéria sugada na forma de jatos colossais de matéria e radiação.
E a imagem de tal monstro cósmico, talvez, fosse uma boa desculpa (e um bom cenário de fundo) para um abraço à beira do lago!
João Torres de Mello Neto
Instituto de Física
Universidade Federal do Rio de Janeiro