Para medir o mundo e suas coisas

O que é conhecer?  Quais são os motivos que nos levam a conhecer?  As respostas para essas perguntas nem sempre partiram da filosofia – se é que um dia partiram apenas dela.  Mesmo sendo tarefa complexa, a ciência formula respostas (na forma de teorias e leis) para essas questões.

‘Fazer ciência’ é criar formas de representar o mundo e intervir nele. De modo simples e conciso, representar é propor teorias sobre as causas do que acontece. Porém, pode também significar a articulação de maneiras para observar e interferir no mundo.  A observação e a manipulação geram dados empíricos, e estes ajudam na busca por respostas. A ciência busca explicar as coisas que existem (os fenômenos naturais e sociais), para conhecer suas características e prever seus comportamentos.

Teorias, experimentos e conceitos científicos mudam de significado, conforme a ciência sofre alterações de natureza científica, tecnológica, social, cultural ou histórica.  A ciência não está apartada dos locais e momentos em que é praticada; não está isolada da sociedade que a produz. Ainda assim, a ciência mantém o propósito de ser objetiva, isto é, conhecer o mundo de modo coerente. Como?

É da natureza do ser humano avaliar seu entorno e definir as maneiras pelas quais pode interagir com o ambiente e com o outro.  Antes mesmo de construir cidades, os humanos aprenderam a se comunicar, a registrar a passagem do tempo, a medir o comprimento de suas habitações, a comparar produtos e realizar trocas.

Metrologia
Após primeiras medidas, há milhares de anos, desenvolvimento da metrologia avançada lida com as medições e suas aplicações em escalas de exatidão impressionantes. (imagem: domínio público)

Há uma analogia entre comunicação e medição: a linguagem (oral e escrita) e a medida foram artifícios importantes para as primeiras intervenções humanas no mundo.  Ambas apresentam procedimentos para avaliar as correspondências (ou diferenças) entre objetos comparados. As primeiras medições eram feitas com instrumentos simples, como balanças de pratos suspensos por cordas; pedaços de corda com nós; pedra ou madeira riscada para comprimento; e placas entalhadas como relógios de sol.

Primeiros padrões 

À medida que as organizações sociais se tornaram mais complexas, aumentou a necessidade de novos (e diversos) pesos e medidas. Como, então, saber que uma medida era confiável? A necessidade de confiar em uma medição estimulou a criação dos primeiros padrões. O padrão era uma referência materializada em um artefato que permitia a comparação entre diferentes objetos. Por exemplo, os padrões adotados para pesar mercadorias eram feitos de madeira ou pedra e dispostos do mais leve ao mais pesado.

Não é imprudente imaginar que os primeiros raciocínios aritméticos tenham se desenvolvido no mesmo compasso que as intervenções do ser humano no mundo

O desenvolvimento da metalurgia e o surgimento das unidades monetárias reforçaram a necessidade de se estabelecerem proporções entre moedas de diferentes metais e seus valores em relação a um padrão. Não é imprudente imaginar que os primeiros raciocínios aritméticos tenham se desenvolvido no mesmo compasso que as intervenções do ser humano no mundo: para medir, é preciso números e, quanto mais sofisticadas se tornaram as operações matemáticas, mais informações podiam ser comunicadas.

Sem números e medidas não se verificam divergências entre o valor medido e o objeto comparado. Padrões, portanto, deram um novo sentido às medidas: estas, além da exatidão, também expressavam justiça, equilíbrio, simetria e uniformidade.

Proporções perfeitas, contudo, onde obter padrões? A partir de qual referência se comparariam grãos, tábuas ou cordas? O esforço inicial para a criação desses padrões foi baseado na antropometria: o corpo humano – tomado como ‘medida de todas as coisas’ – era idealizado como uma referência de proporções perfeitas. Unidades, como pés, mãos, dedos, palmas, antebraços, braços abertos, passos, entre outras, foram padronizadas e usadas desde tempos remotos.

 O esforço inicial para a criação desses padrões foi baseado na antropometria: o corpo humano – tomado como ‘medida de todas as coisas’ – era idealizado como uma referência de proporções perfeitas

Para cada grandeza, estimava-se um valor numérico e uma unidade de medida como referência. Unidades de comprimento, massa, volume ou área se baseavam em múltiplos ou submúltiplos das medidas do corpo. Reproduzido desde as civilizações mesopotâmicas, um cúbito (ou côvado) era definido como a medida da distância do cotovelo à ponta do dedo médio.

É evidente que havia muita diferença entre o valores das unidades de medida: o valor do cúbito variou entre 44 cm (cúbito romano) e 64,1 cm (cúbito palestino). É por isso que as unidades de medida não deviam ser tomadas como representações literais do corpo humano: cada civilização convencionou esses padrões segundo suas próprias características ou necessidades.

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Rafael de Oliveira Vaz
Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia
Programa de Pós-graduação em Filosofia
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Mariano David
Laboratório de Ciências Radiológicas
Universidade do Estado do Rio de Janeiro 

Antonio Augusto Passos Videira 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

 

 

 

 

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