“Parar de fumar é ganhar fôlego.” – “Fumar é perder fôlego.” Como duas frases tão parecidas conseguem ajudar de forma tão diferente os fumantes a abandonar o cigarro? Quais os efeitos de mensagens desse tipo nas atitudes individuais? Uma resposta para essas perguntas pode ser encontrada em uma teoria proposta em 1981 pelos psicólogos israelenses Amos Tversky (1937-1996) e Daniel Kahneman.
A teoria da prospecção (prospect theory), que trata da tomada de decisões em situações de risco ou incerteza, foi depois contextualizada para aplicação na área da comunicação da saúde/políticas públicas pelos psicólogos norte-americanos Alexander J. Rothman e Peter Salovey.
O principal postulado dessa teoria é o de que o indivíduo escolhe mudar de comportamento levando em consideração não apenas a forma como o problema atual é comunicado (framed), mas também a avaliação que ele faz dos riscos dessa mudança. Para formular a prospect theory, os autores realizaram uma série de 12 experimentos em que os indivíduos participantes foram expostos a duas situações de escolha, com resultados considerados equivalentes.
Positivo ou negativo
Quatro exemplos são suficientes para mostrar como eram esses experimentos.
No exemplo 1, o tema do experimento era a epidemia hipotética de um vírus, com a previsão de que ocorreriam 600 mortes. Os participantes tinham que escolher entre duas hipóteses: o programa A (sendo informados de que, se o adotassem, 200 pessoas seriam salvas) e o programa B (sabendo que, nesse caso, haveria um terço de probabilidade de salvar todas as 600 pessoas e dois terços de probabilidade de ninguém ser salvo). Ambas as mensagens, portanto, eram ‘positivas’, enfatizando a chance de salvar pessoas.
O exemplo 2 envolvia a mesma epidemia hipotética e igual previsão de 600 mortes, mas nesse caso a escolha devia ser entre o programa C (a informação era de que, se adotado esse programa, 400 pessoas morreriam) e o programa D (neste, haveria 1/3 de probabilidade de ninguém morrer e 2/3 de probabilidade de todas as 600 pessoas morrerem). Ambas são mensagens ‘negativas’, que se referem a mortes.
Nos dois exemplos, as opções de respostas (A versus B; C versus D) eram consideradas semelhantes, mas uma opção em cada exemplo (A e C) era expressa em termos determinísticos (sem riscos) e a outra (B e D) em termos probabilísticos (ou de risco).
Outros dois experimentos tratavam de uma questão financeira: ganhar ou não US$ 1 mil. No exemplo 3, o participante devia escolher entre o ganho certo de US$ 250 (opção E) e 25% de chances de ganhar US$ 1 mil e 75% de chance de não ganhar nada (F). As duas mensagens eram otimistas, usando a palavra ‘ganhar’.
No exemplo 4, o experimento pedia que escolhessem entre uma perda certa de US$ 750 (G) e 75% de chances de perder US$ 1 mil e 25% de chance de não perder nada (H). Nesse caso, foi utilizado o termo – pessimista – ‘perder’. De novo, as opções de resposta de cada exemplo eram consideradas equivalentes.
Ao final dos experimentos, as respostas mostraram que, quando os indivíduos eram expostos a mensagens de conteúdo negativo, que envolviam perdas (como nos exemplos 2 e 4), eles agiam buscando ‘riscos’, ‘incertezas’ ou ‘probabilidades’, o que os autores chamaram de propensão ao risco (risk seeking). Nesse caso, as opções D e H eram amplamente preferidas. Mas quando expostos a frases de teor positivo (ganhos), os indivíduos evitavam riscos (aversão ao risco – risk averse). Nesse caso, as opções A e E (nos exemplos 1 e 3) eram as preferidas.
Mais ou menos riscos
A adaptação dessa teoria para a área da saúde pública baseou-se em uma diferenciação entre dois tipos de comportamento: um é chamado de inerentemente preventivo e o outro de inerentemente de detecção.
Os preventivos envolvem menos riscos quanto às consequências dos atos ou escolhas e, portanto, o estímulo para sua realização deve funcionar melhor por meio de mensagens de teor positivo. Alguns exemplos desses comportamentos são uso de protetor solar, realização de atividades físicas e escovação dos dentes. Nenhum deles é visto como possível desencadeador de risco para o indivíduo.
Já os comportamentos de detecção envolvem o risco de desfechos indesejados em curto prazo – acredita-se, portanto, que os indivíduos devem responder melhor a estímulos de teor negativo. Alguns exemplos desse tipo de comportamento são a realização de exames para detectar o câncer de mama, o câncer de colo de útero, a presença do vírus da imunodeficiência humana (HIV) ou a do papilomavírus humano (HPV).
No caso do tabagismo, ‘parar de fumar’ é entendido por vários cientistas como medida inerentemente preventiva, associada ao resultado ‘certo’ de interromper o comportamento de uso do cigarro e assim eliminar os problemas de saúde decorrentes do fumo. Nesse caso, mensagens ressaltando os ganhos que os indivíduos obteriam ao parar de fumar deveriam ser as mais eficazes.
André Salem Szklo
Divisão de Epidemiologia,
Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva