O registro de patentes por parte dos pesquisadores brasilei¬ros tem sido estimulado como uma forma de gerar inovação tecnológica para o país, mas há aqueles que questionam esse movimento. Para eles, o sistema de patentes, bem como os atuais acordos de propriedade intelectual, podem representar um perigo para a livre disseminação do conhecimento científico.
Um desses intelectuais é o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, da Universidade Federal do ABC (UFABC), em Santo André (SP). Silveira considera que as patentes até tiveram certo sentido quando havia a necessidade de se dar escala industrial a uma invenção, mas hoje a situação é outra.
“A criatividade está nas pessoas. O valor e a riqueza dependem menos das empresas e mais de fatores externos, como a bagagem cultural e os saberes que o indivíduo traz para a companhia”, afirma o sociólogo.
Isso seria uma das bases do ‘capitalismo informacional do tipo cognitivo’, conceito criado por economistas franceses – para eles, a ciência e a tecnologia são elementos-chave desse novo capitalismo. “As práticas de criação e desenvolvimento hoje são mais recombinantes. Uma legislação de propriedade intelectual exacerbada bloqueia essa recombinação de conhecimento, sufocando a base da criatividade”, explica Silveira.
Ele cita o trabalho dos australianos Peter Drahos e John Braithwaite, que sugerem que o aumento do controle privado da informação pode gerar um feudalismo informacional, no qual há um monopólio das fontes de recursos para a criação e um cerceamento da liberdade de pesquisa. Nesse cenário, as patentes seriam barreiras de entrada de mercado que tornariam os pesquisadores vassalos das corporações e criariam feudos onde antes havia um fluxo livre de informações.
Entre quatro paredes
O sociólogo aponta o Acordo Comercial Antipirataria (Acta, na sigla em inglês) como um exemplo desse movimento. Nego¬ciado em segredo desde 2006 e liderado pelos Estados Unidos e Japão, o Acta é um acordo plurilateral que cria uma nova estrutura legal para tratar de produtos falsificados, medicamentos genéricos e violação de direitos autorais.
Embora suas regras só venham a valer para os países signatários, o acordo daria poder para que uma nação bloqueasse o trânsito pelo seu território de produtos que considerasse ilegais, mesmo que estes fossem legais nos países de origem e destino.
“Por exemplo, se o Brasil comprasse medicamentos gené¬ricos indianos e o navio aportasse na Europa, pelo Acta, esse carregamento poderia ser atrasado ou mesmo apreendido”, revela Silveira. “A ciência depende de tecnologia. Se o fluxo de material é bloqueado, você adquire controle sobre o que pode ser pesquisado”, completa.
Além disso, no futuro, a situação pode ser outra, já que esses países podem fazer pressão por harmonização das regras, ou seja, expandir sua abrangência internacionalmente. “As patentes podem ser uma necessidade momentânea em algumas áreas, mas este não é o caminho para o Brasil”, afirma Silveira.
Segundo ele, há vários problemas cuja solução requer compartilhamento de saber e o Brasil deveria lutar pelo co¬nhecimento aberto e livre. “Até mesmo instituições de países desenvolvidos, como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts [MIT, na sigla em inglês], estão optando pelo conhecimento aberto”, conta. O MIT publicou o conteúdo de seus cursos na internet e permite o acesso total a eles. “A vantagem é que eles reforçam sua posição como núcleo de excelência”.
Silveira diz que a tendência para os próximos anos é de turbulência nessa área, mas que as principais batalhas na propriedade intelectual já começaram. Ele acredita que esse deveria ser um elemento-chave da diplomacia brasileira. “O Brasil tem um sistema de produção científica que vai ganhar muito se apostar na sinergia”, conclui.
Fred Furtado
Ciência Hoje/ RJ