Placas fotográficas do eclipse de Sobral

Na manhã de 29 de maio de 1919, um fenômeno celeste trocaria, por alguns minutos, o dia pela noite em uma pacata cidade do Nordeste brasileiro, escolhida caprichosamente pela natureza para com provar uma teoria científica. Os preciosos minutos de duração do fenômeno deveriam ser aproveitados ao máximo: era a oportunidade para comprovar experimentalmente uma previsão feita pela então recém-publicada teoria científica: a relatividade geral, idealizada pelo físico de origem alemã Albert Einstein (1879-1955), que pode ser entendida como uma teoria que explica os fenômenos gravitacionais.

Sobral, a cidade cearense, seria o palco que ajudaria a confirmar um fenômeno previsto pela relatividade geral: a deflexão da luz, na qual um feixe de luz (neste caso, vindo de uma estrela) deveria ter sua trajetória encurvada (ou desviada) ao passar nas proximidades de um forte campo gravitacional (no caso, gerado pelo Sol).

Esse desvio da luz faz com que a estrela observada fosse vista em uma posição aparentemente diferente de sua posição real. O objetivo dos astrônomos era medir um pequeno ângulo formado por essas duas posições (veja a figura abaixo).

Naquele dia, aconteceria um eclipse solar total. Os cálculos previam que deveria haver, pelo menos, uma estrela localizada no fundo de céu cuja luz passasse próxima ao bordo solar. Com essa configuração e boas condições meteorológicas, haveria grande chance de comprovar a nova teoria.

O eclipse e a teoria da relatividade
Concepção artística – com elementos fora de escala – do efeito da deflexão da luz previsto pela teoria da relatividade geral. (gráfico: Luiz Baltar)

Durante o eclipse, as estrelas de fundo mais próximas do bordo do Sol estavam a uma distância média de 150 anos-luz da Terra – um ano-luz equivale a cerca de 9,5 trilhões de km. A estrela Hip 20712 era forte candidata para confirmar a teoria de Einstein, por ter sua luz passando muito perto do Sol. Estavam previstas 13 estrelas para serem usadas como sistema de referência – naquela época, os catálogos continham um número relativamente pequeno de posição de estrelas brilhantes.

O eclipse foi observado também na ilha de Príncipe, na costa ocidental da África, mas o mau tempo não permitiu condições de trabalho ideais.

Do céu ao dia a dia

Os astrônomos sabiam da dificuldade que teriam para medir o ângulo de desvio da trajetória e chegar ao resultado previsto pela teoria da relatividade geral, pois, provavelmente, muitas imagens de estrelas estariam imersas no halo difuso provocado pela luz do Sol, encoberta pelo disco da Lua. Havia também o problema da turbulência atmosférica, que prejudicaria a qualidade das imagens. Deveria haver um número de estrelas suficiente no campo de observação para ajustar e determinar com precisão suas coordenadas celestes observadas.

O sistema de medidas das imagens das estrelas era manual, o que introduziria um erro pessoal do observador. Devido à turbulência atmosférica, as imagens das estrelas poderiam aparecer nas placas fotográficas não como pontos, mas sim como diminutos ‘borrões’, o que dificultaria determinar o centro de cada uma delas. Um dos vários equipamentos usados na observação do eclipse foi um telescópio refrator conjugado a um conjunto de espelhos.

Telescópio usado para observação do eclipse
Telescópio refrator astrográfico do construtor mailhat, com 15 cm de abertura da objetiva e 8 m de distância focal, conjugado com um celostato (conjunto de espelhos planos que permitem registrar a imagem refletida do Sol sobre uma placa fotográfica). (foto: Observatório Nacional)

A equipe de astrônomos brasileiros – responsável por medidas da coroa solar (atmosfera exterior do Sol) – foi chefiada por Henrique Morize  (1860-1930), então diretor do Observatório Nacional, e contava com Domingos Costa (1882-1956), Lélio Gama (1892-1981), Theophilo Lee, Luís Rodrigues e Allyrio de Mattos (1889-1975).

Morize foi ainda o responsável no Brasil pelos trabalhos que apontaram Sobral como local ideal para a observação. Os trabalhos relacionados à sutil medição do ângulo de deflexão da luz ficaram a cargo dos astrônomos ingleses.

Além de participar no apoio e na organização das observações do eclipse, a equipe brasileira fez observações da coroa solar usando um espectrógrafo, equipamento que faz o registro fotográfico das várias ‘cores’ (frequência) que compõem a luz emitida pela fonte (no caso, o Sol). Nos períodos de grande atividade, o Sol emite enormes arcos de plasma (gás ionizado) que são lançados a centenas de milhares de quilômetros na coroa solar. No eclipse de Sobral, o tamanho deste arco foi de aproximadamente 516 mil km.

As placas fotográficas também eram usadas para fotografar o dia a dia da população. Pessoas, monumentos, eventos, a natureza. Enfim, tudo era registrado nesse dispositivo, que foi usado por mais de um século para guardar os momentos importantes da história das sociedades. Todo esse acervo iconográfico de importância histórica inestimável permanece sob a guarda e aos cuidados da Biblioteca do Observatório Nacional.

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Carlos H. Veiga,
Katia T. dos Santos,
M. Luiza Dias, e
Renaldo N. da S. Junior
Observatório Nacional (RJ)

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