Preâmbulo da revolução copernicana

O polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) frequentou várias universidades europeias, tendo estudado medicina, direito canônico e economia. Mas sua paixão era a astronomia. Na história da evolução do conhecimento científico, Copérnico tem lugar de destaque, graças à sua obra De revolutionibus orbium coelestium (As revoluções dos orbes celestes). Em contraposição ao sistema geocêntrico, então em vigor, De revolutionibus apresentou o sistema heliocêntrico, desencadeando a chamada revolução copernicana.

Por conter dados que permitem analisar a formação e evolução do pensamento astronômico copernicano, o documento tem grande valor histórico

A obra foi publicada em 1543, mas as ideias de seu autor sobre o novo sistema estavam sendo gestadas havia muito tempo. Por volta de 1512, ele fez circular entre colegas um pequeno texto manuscrito, em latim, conhecido hoje como Commentariolus. Nessa obra de poucas páginas, Copérnico faz a primeira descrição de sua teoria heliocêntrica. Por conter dados que permitem analisar a formação e evolução do pensamento astronômico copernicano, o documento tem grande valor histórico.

Para que se compreenda a importância do Commentariolus, é preciso conhecer algumas características do modelo geocêntrico adotado à época. Os astrônomos da Antiguidade, ao notar certa regularidade e periodicidade no movimento dos corpos celestes, tentaram usar a composição de círculos uniformes para explicar esse movimento. A origem dessa proposta parece ter fundo filosófico, em que só o movimento circular uniforme é perfeito: sempre igual a si mesmo, fechado, sem início nem fim.

Ao longo dos séculos, os astrônomos buscaram composições de círculos (ou esferas) em movimento uniforme para reproduzir os movimentos aparentes observados no céu, o que ficou conhecido como “procura de teorias para salvar fenômenos”.

Nicolau Copérnico
Ao apresentar suas ideias sobre o sistema heliocêntrico, Nicolau Copérnico (1473-1543) desencadeou a chamada revolução copernicana. (foto: Wikimedia Commons)

Na Idade Média, esses círculos ou esferas ganharam o nome ‘orbes’. A procura de tais composições levou à criação de sistemas formados por círculos (ou esferas) que se movem sobre outros círculos (ou esferas). Chamou-se ‘deferente’ (ou seja, transportador) o círculo principal associado a cada corpo celeste, sobre o qual ocorre o movimento de círculos menores.

Estes, apoiados sobre o deferente, foram chamados de ‘epiciclos’. A Terra – ou outro ponto, denominado ‘excêntrico’ – pode ser o centro do deferente. Quanto mais complexo o movimento aparente do astro, maior o número de epiciclos adotados para tentar reproduzi-lo.

O movimento de cada círculo (ou esfera) era geralmente uniforme, preservando o chamado Princípio da Regularidade. Mas, para “salvar fenômenos”, o astrônomo grego Ptolomeu (90-168) incluiu um ponto geométrico chamado ‘equante’ (que não coincidia com a Terra nem com o centro do círculo), em relação ao qual a velocidade angular do movimento principal é uniforme. A localização do equante é simétrica à da Terra em relação ao centro do círculo.

Modelo heliostático

Nos primeiros parágrafos do Commentariolus, Copérnico refere-se às abordagens adotadas pelos gregos para explicar o movimento dos planetas. Em particular, destaca que, além de excêntricos e epiciclos, Ptolomeu e outros astrônomos precisaram introduzir os equantes para tentar reproduzir as disparidades mostradas pelos dados numéricos das observações. Isso o incomodava, pois os equantes violavam o Princípio da Regularidade. Os planetas não se moveriam com velocidade uniforme em seus orbes deferentes nem em torno de seus centros.

Copérnico decidiu apresentar um modelo que, além de resolver o problema, seria mais simples e conveniente

Copérnico decidiu então apresentar um modelo que, além de resolver o problema, seria mais simples e conveniente, desde que atendidas as exigências destacadas a seguir: não há um centro único de todos os orbes, o centro da Terra não é o centro do mundo, mas apenas o da gravidade e do orbe lunar; todos os orbes giram em torno do Sol (portanto, o centro do mundo está perto do Sol); a distância entre a Terra e o Sol é insignificante se comparada com a distância às estrelas; o movimento aparente do firmamento se deve à rotação da Terra em torno de seu eixo; qualquer movimento aparente do Sol não é causado por ele, mas pela Terra e pelo nosso orbe, com o qual giramos em torno do Sol; os movimentos retrógrados aparentes dos planetas não pertencem a eles, mas à Terra (apenas o movimento desta explica muitas irregularidades aparentes no céu).

Após algumas argumentações relativas a tais exigências, Copérnico apresenta a ordem dos orbes e o período de revolução de cada um dos corpos. O mais alto é o das estrelas fixas, seguido de Saturno, Júpiter, Marte, Terra e Vênus; Mercúrio é o último.

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Othon Winter
Grupo de Dinâmica Orbital e Planetologia
Universidade Estadual Paulista (campus Guaratinguetá)

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