Duas pacientes de mesma idade são diagnosticadas com um tumor de mama. Elas são submetidas ao mesmo procedimento cirúrgico, e após análise do tumor retirado (do mesmo tipo nas duas pacientes), recebem tratamentos complementares absolutamente idênticos. No entanto, uma paciente fica curada ao final de cinco anos, enquanto na outra a doença retorna. Onde está a diferença que fez com que apenas uma paciente se curasse?
Na busca pela resposta a esta e a outras perguntas, um banco de amostras de tumores criado no Brasil tem fornecido material para uso em pesquisas científicas, inclusive no exterior, o que coloca o país na vanguarda da luta contra o câncer.
Toda a informação necessária para o funcionamento de uma célula (incluindo a maneira como ela se relaciona com outras, para formar tecidos e órgãos no corpo humano) está contida em seu material genético, ou genoma – uma longa molécula de ácido desoxirribonucleico (DNA) guardada em seu núcleo.
Para que ocorra a produção de proteínas e outras moléculas regulatórias, partes do DNA servem de molde, em um processo denominado transcrição, para a síntese de moléculas de ácido ribonucleico (RNA). Uma parte desses RNAs – os conhecidos como RNA mensageiros – fornece as instruções para a produção de proteínas e de outras moléculas importantes.
Uma célula normal sintetiza os RNAs e, com base neles, produz as proteínas e outras moléculas de que precisa para seu funcionamento normal e sua multiplicação. Numerosos fatores, porém, podem desregular esse processo e fazer com que as células cresçam e se reproduzam de modo desordenado – condição conhecida como câncer.
Muitos estudos relacionam alterações ocorridas no material genético e no processo de produção do RNA (ou na leitura deste, na produção de proteínas e moléculas) ao aparecimento e à progressão de diversos tipos de câncer, e sabe-se que essas alterações têm ainda a capacidade de influenciar a conduta terapêutica.
O sequenciamento completo do genoma humano por um consórcio internacional de pesquisa, anunciado em 2003, determinou o conjunto das unidades fundamentais do DNA (os nucleotídios, em termos técnicos) de uma célula humana e identificou os genes de nossa espécie. Isso levou ao desenvolvimento de novas técnicas de biologia molecular, capazes de gerar informações com maior rapidez e qualidade e menor custo.
Embora não tenha participado desse projeto pioneiro, o Brasil contribuiu de modo significativo para os estudos dos genes humanos por meio do Projeto Genoma Humano do Câncer.
Esse projeto baseou-se em amostras tumorais e não-tumorais, das quais foi extraído RNA de alta qualidade, revertido em DNA complementar (cDNA) por uma enzima específica e então sequenciado (essa reversão permite um enfoque na porção do genoma que é de fato transcrita). Isso possibilitou identificar cerca de 1,2 milhão de sequências derivadas de genes ativos nas amostras estudadas, depositadas em bancos de dados públicos.
Projetos desse tipo são viáveis apenas quando os ácidos nucleicos (DNA e RNA) das amostras de interesse estão muito bem preservados e disponíveis. Assim, quando o Projeto Genoma Humano do Câncer começou, o Hospital A. C. Camargo (também conhecido como Hospital do Câncer) decidiu criar um banco biológico, com amostras de tecidos tumorais e normais armazenadas em condições ideais de preservação, que permitisse obter ácidos nucleicos de alta qualidade.
Antônio Hugo José Fróes Marques Campos
Banco de Tumores, Hospital A. C. Camargo, Fundação Antonio Prudente
Dirce Maria Carraro
Laboratório de Genômica e Biologia Molecular,
Centro Internacional de Pesquisa e Ensino (Cipe),
e Banco de Macromoléculas, Hospital A. C. Camargo
Emmanuel Dias-Neto
Laboratório de Genômica e Bioinformática,
Centro Internacional de Pesquisa e Ensino (Cipe), Hospital A. C. Camargo