Nos últimos meses, no Brasil, o tema criminalidade e maioridade penal – incensado principalmente por estupros, roubos e latrocínios perpetrados por menores de idade – voltou à cena. Talvez, interesse às autoridades governamentais e acadêmicas por aqui conhecer uma fórmula tipo canivete suíço, ou seja, com várias utilidades. No caso, a principal delas é apontar o local onde criminosos moram. Outras aplicações, por exemplo, são estudar temas bem distintos do crime: como animais buscam comida e onde estão as fontes de espécies invasoras e de doenças infecciosas.
Ou seja, por enquanto, o programa vai da criminologia à biologia. E já foi experimentado nessas áreas com êxito bem significativo, segundo relato recente da jornalista Beth Marie Mole, para a The Scientist.
A fórmula em questão foi desenvolvida pelo pesquisador canadense Kim Rossmo, criminologista da Universidade Estadual do Texas (EUA), e está baseada no método chamado perfil geográfico. Ideia central: criminosos não cometem crimes nem perto de onde moram, nem muito longe de casa – neste último caso, entre outras razões, porque não conhecem bem o local.
Quando se alimenta a fórmula com dados relativos aos locais do crime e se leva a mistura a um computador, este cospe um gráfico em três dimensões que lembra (muito) um vulcão. Explicando: na zona central (região onde o criminoso vive), os crimes são praticamente nulos; nas bordas da cratera, a taxa de crimes é alta; no sopé do vulcão, as ocorrências voltam a praticamente zero (longe de casa).
O primeiro sucesso de Rossmo – que está hoje no Centro para a Investigação e Inteligência Geoespacial da Universidade do Texas – foi apontar, em poucos dias, para a polícia de Lafayette, no estado de Louisiana (EUA), o local onde vivia um estuprador com precisão de pouco mais de 1 km2. O meliante, preso, era ex-delegado de polícia.
Quem lidou com o programa diz que ele pode resolver em horas crimes que levariam anos de investigação.
Steve Le Comber, da Universidade de Londres (Reino Unido), viu no perfil geográfico semelhanças com sua área de pesquisa: comportamento de animais na busca de alimentos; espécies invasoras; doenças infecciosas.
Antes de se aventurar pelo assunto, o biólogo resolveu testar fórmula e programa. Jogou lá os dados relativos a outro estuprador em série que agiu na década de 1970 no Reino Unido. O nome do culpado – capturado em 1981 por causa de uma multa de trânsito – surgiu no topo da lista. Segundo teste: epidemia de cólera em Londres em 1854. O programa identificou o poço de água, no bairro do Soho, onde o surto começou.
Voltando ao presente, Le Comber está agora empregando a ferramenta para entender o surto de malária no Cairo (Egito). Segundo a reportagem, o programa listou seis dos sete poços de água que estavam espalhando os mosquitos infectados.
Em entrevista à CH, Rossmo diz que não tem colaboração com pesquisadores brasileiros, mas, escreveu ele, “tive a oportunidade de apresentar parte das minhas pesquisas sobre perfil geográfico em sua bela cidade [Rio de Janeiro] no encontro de 2003 do Congresso Internacional de Criminologia”.
Em épocas de grandes eventos, em que o Brasil tem que ficar bem na fita, talvez valha a pena dar uma olhada nas ideias, no programa e na fórmula desse pesquisador canadense. Certamente, sairá bem mais barato do que os cerca de R$ 90 bilhões que o Brasil gasta por ano com violência.
E, se vale alimentar uma esperança extra, quem sabe, o programa e a fórmula não nos ajudam a diminuir as cerca de 20 mortes por arma de fogo para cada 100 mil habitantes, número que nos faz vice-campeões mundiais nesse quesito – Colômbia, em primeiro, com 30,34.
Cássio Leite Vieira
Ciência Hoje/ RJ
Texto originalmente publicado na CH 304 (junho de 2013).