Talvez, muitos se perguntem por que artigo sobre uma gota se espatifando contra uma superfície ganhe o destaque da seção Mundo de Ciência da CH de setembro. Possível resposta: os resultados mostram como um assunto aparentemente trivial tem aplicações amplas na indústria, na agricultura e na medicina.
O(a) leitor(a), talvez, já tenha observado uma gota de café, leite ou qualquer outro líquido manchando o chão da cozinha. Às vezes, as bordas da gota estão caracterizadas por respingos (gotículas); às vezes, a gota está redondinha, sem respingos. Por que e quando ocorre (ou não) um ou outro caso?
Os físicos Guillaume Riboux e José Manuel Gordillo, da Universidade de Sevilha (Espanha), apresentaram agora uma fórmula que, pela primeira vez, prevê com boa precisão os dois cenários.
Os físicos já desconfiavam de alguns dos fatores que fazem uma gota respingar. Por exemplo, é meio óbvio que, quanto maior a velocidade da queda, maior a chance de respingos. Mas o fenômeno é bem mais complexo. Devem-se levar em consideração grandezas como o tamanho (diâmetro) da gota, bem como a densidade, a viscosidade e as forças moleculares tanto do líquido quanto do gás que rodeia a gota.
A fórmula encontrada por Riboux e Gordillo – que determina a velocidade-limite para uma gota espirrar ou não – juntou todas essas grandezas, destacando, porém, o papel do gás. Mas o grande diferencial da fórmula foi acrescentar um ingrediente novo: a distância que cada molécula do gás pode viajar antes de se chocar com uma companheira – tecnicamente, isso é chamado livre caminho médio.
Os próprios autores se surpreenderam com a descoberta – afinal, é intrigante que o respingo de uma gota milimétrica (ou seja, algo macroscópico) dependa de algo que é milhões de vezes menor, isto é, molecular (nanométrico).
Colchão de ar
Um esquema geral para o fenômeno é o seguinte: uma gota cai sobre uma superfície dura. Com a colisão, uma camada de ar se instala sob a gota.
Se essa camada for temporária, a gota continua se esparramando, e o resultado final é uma marca sem respingos. Mas se esse colchão de ar continuar aumentando (crescendo para cima), as bordas da gota ficarão instáveis, e surgem os respingos – por sinal, o voo das gotículas expelidas se dá pela mesma ‘força’ que mantém um avião no ar.
A fórmula resultou tanto de experimentos com líquidos (oito tipos) quanto de análises teóricas. A dupla usou filmadoras de alta velocidade – dois filmetes podem ser vistos aqui.
Serve para quê?
O(a) leitor(a) tem todo o direito de perguntar: e isso serve para quê? Qual a utilidade de estudar um fenômeno do cotidiano ‘desinteressante’? Aprende-se algo com isso?
A fórmula de Riboux-Gordillo – publicada em Physical Review Letters – tem uma lista de potenciais aplicações. Algumas: evitar os borrões de tinta das impressoras; prever a dispersão de inseticidas; entender a transmissão de doenças entre plantas; melhorar a pintura e o revestimento de superfícies; investigar cenas de crimes, calculando a altura da qual caiu uma gota de sangue. Lição: fenômenos triviais do cotidiano ainda têm muito a ensinar à ciência.
Em tempo: Se alguém quiser ler um excelente conto no qual o protagonista é uma gota ‘suspeitíssima e temida’, fica a sugestão: ‘Uma gota’, do escritor e jornalista italiano Dino Buzzati (1906-1972). Há uma tradução aqui.
Cássio Leite Vieira
Ciência Hoje/ RJ
Texto originalmente publicado na CH 318 (setembro de 2014). Clique aqui para acessar uma versão parcial da revista.