Dicionários definem ‘panaceia’ como um remédio com o poder para curar todos os males. É improvável que a ciência chegue a tanto, mas é possível que o mais próximo disso hoje seja a popular aspirina. Três artigos recentes defendem que essa molécula pode ajudar a prevenir e possivelmente a tratar o câncer. Os estudos foram publicados em março na versão on-line das revistas The Lancet e The Lancet Oncology.
A molécula de aspirina (ácido acetilsalicílico) já mostrou seu efeito benéfico contra doenças vasculares – e, em geral, a receita para isso não podia ser melhor: um comprimido diário.
A equipe de Peter Rothwell, da Universidade de Oxford (Reino Unido), já havia mostrado que, em longo prazo, o ácido acetilsalicílico diminui o risco de câncer. Dessa vez, os pesquisadores analisaram 51 estudos que relacionavam o uso desse medicamento com a prevenção de doenças vasculares (ataque cardíaco, por exemplo), extraindo conclusões que valem para prazos mais curtos.
Os resultados dessa análise foram relatados em três artigos e soam impressionantes. Um apanhado geral aponta para os seguintes números: i) 15% de redução no risco de morte por câncer em relação ao grupo-controle; ii) esse percentual foi a 37% quando a pessoa tomava o medicamento há cinco anos ou mais; iii) 25% quando a dose era baixa, e o tempo era de três anos ou mais. No geral, a aspirina foi responsável por evitar 12% das mortes por causas não ligadas a problemas vasculares.
Os autores escreveram que a prevenção do câncer poderia se tornar a principal justificativa para o uso desse remédio.
Tumor espalhado
O segundo artigo da equipe tem o foco no uso da aspirina na prevenção da metástase, ou seja, espalhamento da doença para outras áreas do corpo. Mais uma vez, os percentuais são significativos. Resultados gerais: i) diminuição de 36% no risco de câncer com metástase distante (longe de onde se iniciou a doença); ii) 45% menos risco para a metástase de tumores sólidos (intestino, pulmão, próstata, por exemplo); iii) 18% para outros tumores sólidos (bexiga e rins).
Esses efeitos se mostraram independentes de sexo e idade. E, melhor, para baixas doses do medicamento.
“É a primeira prova em humanos de que a aspirina previne cânceres com metástases distantes”, escrevem os autores.
A resposta para ação a distância da molécula é interessante. Desconfia-se que esse mecanismo seja mediado pelas plaquetas (elemento importante na coagulação). Talvez, suspeitam os pesquisadores, a combinação da aspirina com outros medicamentos (denominados antiplaquetários) tenha ação ainda mais incisiva na diminuição do risco de metástase.
É nesse artigo que a equipe levanta a hipótese de que o medicamento pode servir até para tratar certos tipos de câncer. Mas, ressalte-se, tudo ainda não vai além de uma sugestão.
Casos controlados
O último dos artigos, também centrado no estudo de metástases, comparou resultados de dois tipos de estudo: observacionais (casos controlados, por exemplo) e randômicos. Estes últimos não têm ‘força’ estatística para estabelecer a relação entre a aspirina e os cânceres mais incomuns. A vantagem dos primeiros é a rapidez, pois os randômicos podem durar até 20 anos para apresentar resultados.
Nessa linha, os pesquisadores encontraram uma diminuição de 38% no risco de câncer colorretal, por exemplo, o que está em sintonia com os 42% vindos de estudos randômicos. Essa similaridade de percentuais foi também encontrada para cânceres de esôfago, estômago, fígado e mama.
“Estudos observacionais mostram que o uso regular de aspirina reduz o risco de longo prazo de vários tipos de câncer, bem como o de metástases distantes.”
Um comentarista disse que, no futuro, as diretrizes para o uso da aspirina na prevenção de doenças terão que levar em conta não só a ação dessa molécula contra problemas cardiovasculares, mas também aquela contra o câncer.
Alerta: ácido acetilsalicílico pode causar casos (graves) de hemorragia interna. Portanto, não é o caso de praticar a automedicação.
Cássio Leite Vieira
Ciência Hoje/ RJ
Texto originalmente publicado na CH 292 (maio de 2012).