A ideia de ciência como atividade que traz benefícios e progresso para a humanidade é bem disseminada. Por isso, quando um produto industrial utiliza termos científicos em sua embalagem ou em sua propaganda, os consumidores são levados a crer que aquele produto é inovador ou apresenta vantagens em relação aos concorrentes. O uso da ciência – ou do conceito de ciência existente na sociedade – para estimular o consumo, por ampla variedade de produtos, torna os supermercados e locais afins divulgadores coadjuvantes de ciência?
A ciência está tão difundida na sociedade que uma simples ida ao supermercado pode suscitar uma série de questões relacionadas a esse campo do conhecimento. Nas prateleiras vemos grande quantidade de produtos que apresentam, nos rótulos e nas propagandas, diversas referências a termos científicos. É o caso daqueles que dizem ter vitaminas e sais minerais, lactobacilos vivos e até elementos químicos como zinco, selênio, potássio e ferro, a exemplo de certos pudins, pães e achocolatados.
O uso dessas palavras visa chamar a atenção do consumidor e convencê-lo de que um produto é melhor que os demais por ser enriquecido com determinados elementos, incluir novas tecnologias ou produzir efeitos mais precisos.
Um sabão em pó alega ter uma tecnologia que remove manchas mais que os outros, pois é multiação. Há iogurtes que dizem conter Dan regularis, bacilo que ajuda o intestino, pastilhas para vasos sanitários que afirmam ter bicarbonato de sódio em sua fórmula e muitos outros exemplos.
De modo mais ou menos intenso, a ciência presente em vários produtos é usada como forma de propaganda. Muitos desses conceitos são de entendimento relativamente fácil para boa parte do público, mas isso não acontece com outros, o que pode gerar uma mistificação da ciência.
Já que essas mercadorias são veículos de termos científicos, poderiam os supermercados ser considerados espaços de divulgação da ciência, ou lugares que contribuem para a formação de uma cultura científica?
Devemos ressaltar que o objetivo, aqui, não é verificar a validade dos efeitos alegados pelos produtos ou a veracidade dos processos tecnológicos supostamente usados em sua fabricação, e menos ainda checar se de fato contêm os elementos e compostos anunciados. O que procuramos estabelecer é a relação entre público, ciência e marketing, entendendo como esse tripé está associado do ponto de vista da divulgação da ciência.
Divulgação na prateleira
Quando vê produtos com termos científicos, o consumidor – quer os entenda ou não – torna-se consciente da existência dessas palavras e de sua circulação na sociedade. Portanto, de alguma forma, os termos científicos nas embalagens divulgam algo no campo da ciência, ainda que de forma bem menos complexa e intencional do que as instituições voltadas especificamente para essa divulgação.
Alguns podem ver isso apenas como estratégia de propaganda: o ‘marketing científico’. No entanto, o princípio básico dessa modalidade de marketing, segundo a cientista social Sarita Albagli, é o de que o conhecimento – e sobretudo o discurso que o contém – também é um produto. Nesse caso, o público deve ser seduzido pelo discurso e absorver a ideia de que consumir um conhecimento (ir a feiras científicas ou museus, adquirir publicações ligadas à ciência etc.) é bom para ele.
Nos supermercados, não se trata de transformar a ciência em produto, e sim de usá-la para auxiliar a promoção de um produto. No marketing científico, os recursos mercadológicos são aplicados para estimular o consumo do próprio conhecimento e de produtos relacionados às ciências.
No caso do uso de termos científicos para atrair o consumidor, ocorre o inverso: o conhecimento científico é aproveitado no fazer mercadológico. Com base nisso, podemos entender o supermercado e outros locais afins como espaços coadjuvantes de divulgação da ciência.
Luis Felipe Dias Trotta e
Moema de Rezende Vergara
Museu de Astronomia e Ciências Afins,
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação