Sonho da indústria por ser um material ao mesmo tempo flexível e muito resistente, a criação de uma teia de aranha sintética está mais perto de virar realidade. Pesquisadores brasileiros e norte-americanos conseguiram isolar, em parceria, os genes da glândula de seda de três espécies de aranhas brasileiras e inseri-los em bactérias, que passaram a produzir as proteínas que formam a teia. O desafio agora é desenvolver um método para a produção em grande escala.
O engenheiro agrônomo Elíbio Rech, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), é o líder da equipe brasileira que trabalha no projeto. Ele conta que a seda das aranhas tem características de flexibilidade e resistência superiores à de qualquer material existente hoje, e que, por isso, o interesse em produzi-la sinteticamente sempre foi grande.
“O material mais resistente e flexível que conhecemos é o polímero kevlar, usado em coletes à prova de balas. A teia de aranha tem qualidade superior à do kevlar e ainda é biodegradável, o que possibilita seu uso, por exemplo, na medicina, para a criação de fios para suturas cujos pontos não precisam ser retirados. O problema é que não temos como fazer as aranhas produzirem o material na escala em que ele é necessário”, diz.
A solução foi investir em engenharia genética: criar bactérias transgênicas, nas quais foram inseridos os genes que ‘comandam’ a produção da teia, levando as bactérias a produzir as proteínas do fio. Como, no final desse processo, as proteínas ficam imersas em um meio solúvel, os cientistas precisaram, mais uma vez, ‘imitar’ a natureza.
“Nas glândulas das aranhas as proteínas também ficam solúveis e se organizam na forma de fibra com a ação de um órgão do animal chamado espirineta. O que fizemos foi simular esse órgão”, diz Rech. “Infelizmente, ainda não temos a competência da aranha, mas já conseguimos produzir o fio”, completa, bem-humorado.
Engenheiros de proteínas
Conhecendo as proteínas que formam a teia, os pesquisadores também podem manipular o material. Rech explica que o fio é composto por proteínas modulares, formadas por combinações de, basicamente, três aminoácidos: glicina, prolina e alanina. “Controlando esses módulos, podemos obter fibras com diferentes características. O que fazemos é uma verdadeira engenharia de proteínas.”
A produção das fibras sintéticas em escala comercial, no entanto, ainda deve levar tempo. O engenheiro conta que estão testando a produção no leite de cabras e em sementes de soja, uma vez que a produção das fibras pelas bactérias é cara e demanda o uso de uma substância tóxica. “Mas seria muito especulativo estimar quando o material estará disponível no mercado”, finaliza.
Hoje se sabe que as aranhas primitivas viviam embaixo da terra e tinham teias menos resistentes, e que aquelas que evoluíram para habitar a superfície e as árvores tinham sedas maiores e mais fortes, características que se exacerbaram ao longo do tempo.
O que poderia ser um simples resultado da evolução acabou sendo útil para o desenvolvimento da teia sintética. “Precisamos conhecer as diferenças das teias naturais para termos ideias sobre como manipular as teias sintéticas”, diz o engenheiro agrônomo Elíbio Rech, que coordenou o estudo. Ele conta que as espécies usadas na pesquisa representam essa variedade das teias: Avicularia juruensis, que ocorre no cerrado e na Amazônia, tem características mais primitivas; enquanto Nephilengys cruentata, da mata atlântica, e Parawixia bistriata, do cerrado, são mais ‘modernas’ evolutivamente.
As teias, naturais e sintéticas, produzidas por essas espécies foram analisadas e comparadas com o uso de nanotecnologia, o que revelou seu padrão de composição e permitiu trabalhar na obtenção de teias sintéticas com diferentes características e, logo, diferentes aplicações. Mas, para Rech, o aspecto mais importante do trabalho é o fato de trazer valor a um produto da biodiversidade.
“Hoje em dia muito se fala na riqueza da biodiversidade, mas poucos sabem como transformar essa biodiversidade em riqueza efetiva. O trabalho de produção da teia de aranha sintética é um modelo nesse sentido. Retirando da natureza apenas um exemplar de cada espécie podemos criar um material de alto valor comercial”, comemora.
Mariana Ferraz
Ciência Hoje/RJ
Texto publicado na CH 266 (dezembro/2009)