A complexa luta contra o doping

Jornalista, especial para a Ciência Hoje

A indústria das substâncias proibidas torna-se mais sofisticada a cada ano, mas autoridades contra-atacam usando pesquisa, tecnologia e inovação para manter o esporte limpo

Heptacampeão da Volta da França, o ciclista Lance Armstrong perdeu os títulos após a comprovação e confissão do uso de doping.

CRÉDITO: REPRODUÇÃO @LANCEARMSTRONG

Uma corrida de gato e rato. Essa é a relação das autoridades do esporte mundial com as pessoas que tentam trapacear para ter vantagens nas competições. O doping é um inimigo silencioso, potencialmente presente nas 45 modalidades em disputa nos Jogos Olímpicos de Paris. Um adversário que só pode ser enfrentado com a ajuda da ciência.

Mas se por um lado a tecnologia não para de avançar para manter o esporte “limpo”, o ritmo de inovações dos que buscam burlar as regras. Coordenador técnico-científico do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e doutorando da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Portugal, André Siqueira explica que o combate ao doping é um desafio permanente.

“Cria-se um novo método para burlar, e depois cria-se um novo método para pegar aquele que está burlando. A WADA (Agência Mundial Antidoping) estabeleceu há algum tempo  os passaportes biológicos, uma maneira bem interessante de verificar pequenas mudanças na estrutura fisiológica e hormonal dos atletas. Essa ferramenta está em uso em Paris”, diz. Os passaportes são registros dos dados fisiológicos dos atletas após a coleta periódica de sangue e urina. Qualquer alteração que fuja do normal acende um alerta para o início de investigações posteriores, ou até para uma sanção imediata. 

O passaporte biológico não substitui os exames antidoping, que, a cada dia, estão mais acurados. 

“A própria sofisticação dos métodos de detecção evoluiu muito nos últimos anos. O laboratório do Rio, que é credenciado pela agência mundial, possui precisão e sensibilidades absurdas! Nele é possível identificar um nanograma de substância em um mililitro de urina ou sangue. É como encontrar um grão de areia em uma praia”, compara Siqueira. 

A corrida contra o doping ganhou um novo competidor, segundo Siqueira. A inteligência artificial se apresenta como uma nova aliada para aumentar a vigilância sobre desempenhos suspeitos de atletas. 

“A próxima arma que eu penso que será usada em breve é a inteligência artificial. Existem mínimas alterações que aparecem em testes e, às vezes, não são relacionadas diretamente a uma substância proibida, mas que podem dar pistas muito interessantes e relevantes nessa direção. Mas nós, seres humanos, não conseguimos detectá-las. Já a máquina poderá analisar talvez 300 marcadores diferentes e chegar a um resultado que pode ser contundente e até provar o uso de substâncias”, projeta.

É uma lógica que já é aplicada a outra iniciativa antitrapaça: a luta contra a manipulação de resultados. No futebol, por exemplo, as IAs analisam estatísticas de clubes e jogadores para apontar anomalias que valem investigação.

Educação aliada à repressão

O judoca iraquiano Sajjad Sehen foi o primeiro atleta flagrado no exame antidoping na Olimpíada de Paris.

CRÉDITO: FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DE JUDÔ

Em Paris, o único caso de doping até agora foi o do judoca iraniano Sajjad Sehen, que testou positivo para metandienona e boldenona, dois esteroides anabolizantes proibidos. É um caso clássico, se confirmado em outras instâncias, de quem busca atalhos para aumentar o desempenho. 

O episódio mostra o lado mais condenável do doping, a trapaça. Mas, essa não é a única face. Se os métodos mais sofisticados para manchar a competição esportiva também utilizam a ciência, um outro lado a ser combatido está apoiado no desconhecimento.

“Avançamos, mas ainda há muito a fazer. Percebemos um grande desconhecimento sobre o doping, tanto por parte da sociedade quanto da mídia, que deveria alertar sobre o que é realmente doping e como ele funciona. Embora a educação tenha melhorado muito nos últimos seis ou oito anos, ainda há bastante desinformação”, avalia Siqueira.

A luta contra o doping tem como objetivo defender um esporte limpo. O desenvolvimento dessa cultura depende de todos, autoridades, atletas e até o público, que precisam se sentir parte desse esforço. Siqueira defende que esse processo faz parte da educação antidopagem.

Doping, um risco à saúde dos atletas

CIÊNCIA HOJE: Como as autoridades antidopagem devem manter a vigilância em relação ao doping?

ANDRÉ SIQUEIRA: Eu penso que a preocupação das autoridades antidopagem deve ser a mesma antes dos Jogos Olímpicos, durante os jogos ou após os jogos. A ideia é que sempre se deve ter um esporte limpo, com os nossos atletas jogando limpo dentro das regras e, sobretudo, preservando a saúde deles. Esses são os dois principais problemas do doping: fazer algo que está fora das regras, contra ética e, ao mesmo tempo, agredir a saúde dos atletas que usam substâncias proibidas. Então a preocupação com os jogos, sem os jogos, apesar dos jogos deve ser a mesma.

CH: Quais são os principais malefícios do doping?

AS: São dois grandes prejuízos: o primeiro seria dar uma medalha a um atleta que não conquistou seu resultado de maneira ética. O outro é a própria saúde do atleta que fica abalada porque boa parte, ou quase todas, são substâncias prejudiciais. Se não existir um controle e, associado a ele, uma educação para os atletas entenderem isso, corre-se o risco da coisa sair de controle e os atletas começarem a tomar de tudo, pensando em ganhar, o que pode levar até mesmo à morte. Há casos em que já aconteceu isso.

Comentários (2)

  1. Vários atletas estão destruindo suas carreiras por causa desses remédios🤦🏽‍♂️😥

  2. achei a matéria muito interessante, e que o doping possa ser excluído de uma vez por todas dos mundo dos esportes!! e que o esporte possa ser cada vez mais limpo!!

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