A física da bicicleta no futebol

Curso de Engenharia Biomédica
Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas
Universidade Federal do ABC

A física – cujo nome vem do grego physis, natureza – é a ciência que estuda os fenômenos naturais. Os corpos em movimento é um deles. E, para isso, usa conceitos como energia, força, velocidade, aceleração, espaço, tempo etc. Dá para notar, então, que jogadores de futebol podem ser considerados grandes especialistas em usar a física para fazer uma jogada – afinal, fazer com que a bola adquira um movimento em curva acentuada, como em um chute com efeito do ex-lateral esquerdo da seleção brasileira Roberto Carlos, sem dúvida, requer conhecimentos intuitivos de física avançada que poucos têm.

Dizem que, no futebol, o gênio é aquele que desafia – e, como dito popularmente, até mesmo ‘viola’ – as leis da física. Não. É justamente o contrário: só o ‘perna de pau’ quer, em vão, violar as leis da física. O jogador talentoso tem tais leis incorporadas a ele e as usa como se fosse mágica.

Dito isso, vamos entender como Pelé – para muitos, o maior dos gênios no futebol – explorava as leis da física, para executar o famoso (e raro) chute de bicicleta perfeito.

Conservando o movimento

Entre tantas leis da física, a que nos interessa aqui é a chamada conservação da quantidade de movimento angular, pois, com ela, podemos explicar certos movimentos no futebol.

Um corpo que gira está dotado de quantidade de movimento angular. Essa grandeza é obtida quando multiplicamos a chamada velocidade angular pela inércia de rotação de um corpo.

Velocidade angular de um corpo é simplesmente o quanto ele roda por unidade de tempo. Por exemplo, se um ginasta dá um salto mortal (uma cambalhota no ar) por segundo, dizemos que sua velocidade angular é de 360 graus por segundo (360º/s) ou de 2 pi radianos por segundo (2 p rad/s).

É mais fácil iniciar ou parar com as próprias mãos o giro de uma roda de bicicleta do que uma roda de trator, pois a roda de trator tem massa maior

Inércia rotacional é uma medida da dificuldade de alterar o estado do movimento de um corpo. Por exemplo, é mais fácil iniciar ou parar com as próprias mãos o giro de uma roda de bicicleta do que uma roda de trator, pois a roda de trator tem massa maior. Dizemos, portanto, que a inércia de rotação da roda de trator é maior que a da bicicleta.

Note outra sutileza: esta inércia de rotação também irá depender da distância da qual a massa está do eixo de giro – quanto maior esta distância, maior a inércia rotacional. Por exemplo, a inércia rotacional do corpo do ginasta que dá uma cambalhota em torno de um eixo imaginário que passa por seus quadris de um lado a outro é cerca de três vezes maior quando ele está com o corpo estendido do que quando está com o corpo todo encolhido, abraçando as pernas na altura dos joelhos.

E, agora, a lei de quantidade de movimento angular entra em cena. Se o ginasta estiver girando no ar com o corpo estendido e, então, se encolher (isto é, diminuir em três vezes sua inércia rotacional), sua velocidade angular irá aumentar na mesma proporção (três vezes), pois o produto entre velocidade angular e inércia de rotação – ou seja, a quantidade de movimento angular – é conservado no ar.

Como uma tesoura

Os registros de bicicletas de Pelé mostram que ele sempre a executava de forma peculiar: antes de chutar a bola, as duas pernas se distanciavam, se cruzavam no ar e voltavam a se separar, como o movimento de uma tesoura – e esse detalhe torna o movimento da bicicleta ainda mais belo.

Bicicleta do Pelé
Pelé sempre executava a bicicleta de forma peculiar: antes de chutar a bola, as duas pernas se distanciavam, se cruzavam no ar e voltavam a se separar, como o movimento de uma tesoura. Clique na imagem para ampliá-la. (imagem: Cedida pelo autor)

Mas qual a função – se há alguma – do movimento da perna que não chuta (esquerda) no sentido contrário do movimento da perna que chuta, momentos antes do contato com a bola? Uma possibilidade: a forma com que Pelé executava a bicicleta tem uma razão além da estética, pois, talvez, o tal movimento fosse para usar a seu favor a lei de conservação da quantidade de movimento angular.

Do ponto de vista da mecânica – área da física que estuda o movimento e o repouso dos corpos –, em um corpo com segmentos articulados (como o humano), a quantidade de movimento angular total é a soma das quantidades de movimento angular de cada segmento.

Como no caso do ginasta que dá uma cambalhota no ar, quando um jogador executa uma bicicleta, a única força externa que atua sobre ele é a da gravidade, que não provoca rotação do corpo como um todo. Isso significa que, para um corpo no ar, sua quantidade de movimento angular total se conserva. Aqui, é fundamental compreender que essa lei de conservação se aplica somente ao corpo como um todo, pois a quantidade de movimento angular de cada segmento pode variar (quase) livremente.

Você leu apenas o início do artigo publicado na CH 313. Clique aqui para acessar uma edição resumida da revista e ler o texto completo.


Marcos Duarte

Curso de Engenharia Biomédica
Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas
Universidade Federal do ABC

Outros conteúdos desta edição

614_256 att-22495
614_256 att-22493
614_256 att-22491
614_256 att-22489
614_256 att-22487
614_256 att-22485
614_256 att-22483
614_256 att-22481
614_256 att-22479
614_256 att-22475
614_256 att-22473
614_256 att-22471

Outros conteúdos nesta categoria

614_256 att-22975
614_256 att-22985
614_256 att-22993
614_256 att-22995
614_256 att-22987
614_256 att-22991
614_256 att-22989
614_256 att-22999
614_256 att-22983
614_256 att-22997
614_256 att-22963
614_256 att-22937
614_256 att-22931
614_256 att-22965
614_256 att-23039