Comer muita proteína animal quando adulto é tão ruim para a saúde quanto o tabagismo. Mas, na terceira idade, essa dieta diminuirá o risco de câncer. Ou seja, o que faz mal numa fase da vida, pode fazer bem em outra. Isso é o que mostram dois estudos recentes.

O primeiro dos estudos, liderado por Valter Longo, da Universidade do Sul da Califórnia (EUA), sugere que, durante a fase adulta da vida, o consumo em quantidades altas e mesmo moderadas de proteína animal (carnes, queijo, leite, ovos etc.) pode aumentar o risco de câncer e de morte. Já em pessoas com mais de 65 anos, o efeito é oposto: há um efeito protetor.

“Fornecemos evidências convincentes de que uma dieta baseada em altas quantidades de proteína – principalmente, se derivadas de animais – é quase tão ruim para sua saúde quanto fumar”, disse Longo.

Longo: “Fornecemos evidências convincentes de que uma dieta baseada em altas quantidades de proteína – principalmente, se derivadas de animais – é quase tão ruim para sua saúde quanto fumar”

Longo e colegas analisaram dados de 6.831 adultos e idosos nos EUA, todos com mais de 50 anos de idade. Essas pessoas foram divididas em três grupos: alto consumo de proteína (mais de 20% das calorias diárias vindas dessa fonte); consumo moderado (entre 10% e 19%); baixo consumo (menos que 10%).

Nos 18 anos do estudo, membros do primeiro grupo apresentaram quatro vezes mais chances de morrer de câncer ou diabetes e quase duas vezes mais de morrer por qualquer outra causa. Mesmo o consumo moderado de proteínas foi associado a três vezes mais chances de morrer por câncer.

Todos esses efeitos foram muito menores ou desapareceram quando o consumo (alto ou moderado) era de proteína de origem vegetal.

O consumo ideal diário de proteínas, segundo organismos de saúde pública, seria de até 0,8 grama por quilo corporal. Assim, na média, para mulheres, o valor fica por volta de 45 g; para homens, 55 g. Um filé de frango tem mais ou menos 50 g de proteína.

Filé de frango
Segundo órgãos de saúde pública, o consumo ideal diário de proteínas é de até 0,8 grama por quilo corporal. Em média, essa quantidade poderia ser suprida por um filé de frango. (foto: Rob Owen-Wahl/ Sxc.hu)

Para maiores de 65

Para os maiores de 65 anos de idade, porém, os efeitos de mortalidade são inversos: os que consumiram grandes quantidades de proteína tiveram 28% a menos de risco de morrer e 60% menos de morrer de câncer. Efeitos similares foram observados também para os que consumiram proteína moderadamente.

Possível explicação encontrada pelos autores: os efeitos da proteína sobre o risco de morte podem estar relacionados, em parte, pela ativação do hormônio IGF-1, que ajuda o corpo a crescer. Por volta dos 65 anos, os níveis dessa substância caem bastante. Essa queda, segundo os autores, torna o organismo menos susceptível aos efeitos da proteína. Além disso, a queda do hormônio leva à perda de musculatura, o que a ingestão alta ou moderada de proteína ajudaria a contrabalançar – daí os efeitos benéficos nessa faixa etária.

Trabalho anterior de Longo mostrou que um grupo de equatorianos que têm baixíssimos níveis de IGF-1 – por conta de uma mutação genética – tem índices igualmente baixos de câncer e diabetes. Por conta dessa anormalidade hormonal, essa população apresenta estatura média de 1,5 m.

Especialistas destacaram que é extremamente difícil, quando se trata de estudo sobre dietas, apontar que constituintes dos alimentos podem ser benéficos ou deletérios

Especialistas criticaram a comparação que Longo fez entre dieta e o hábito de fumar, alegando que isso pode prejudicar campanhas contra o tabagismo. Além disso, destacaram que é extremamente difícil, quando se trata de estudo sobre dietas, apontar que constituintes dos alimentos podem ser benéficos ou deletérios.

E o que dizer sobre o consumo de proteína animal antes dos 50? Longo responde à CH: “Mostramos que a associação entre a ingestão de proteína e mortalidade nos 40 anos de idade é a mesma [que para idades mais altas], apesar de as mortes serem mais raras. Isso também é provavelmente verdade para os 30 anos de idade, apesar de, novamente, as mortes nessa faixa etária serem ainda mais raras. É importante lembrar que, se você consome muita carne e proteína até os 40 anos de idade, fica muito difícil mudar a partir daí. Então, é bom adotar uma dieta saudável nas primeiras etapas da vida e melhor ainda se isso ocorrer a partir dos 20 e poucos anos”.

Restrição calórica?

O segundo estudo, liderado por Stephen Simpson, da Universidade de Sidney (Austrália), foi feito em camundongos, com os quais foram testados 25 tipos diferentes de dietas. Aquelas baseadas em altas quantidades de proteína levaram a uma diminuição da expectativa de vida dos animais. Dietas com baixa quantidade de proteína tiveram os melhores resultados em relação à longevidade e à saúde cardíaca e metabólica. A mais nociva para a saúde foi a baseada em altas quantidades de gordura.

O estudo encontrou evidências de que a chamada restrição calórica – sintetizada no dito ‘comer menos, viver mais’ – não teve efeitos sobre longevidade

Além disso, o estudo encontrou evidências de que a chamada restrição calórica – sintetizada no dito ‘comer menos, viver mais’ – não teve efeitos sobre longevidade, contrariando vários estudos recentes sobre o tema.

Outras conclusões desse estudo com camundongos: i) com a idade, o organismo diminui sua capacidade de absorver ou processar proteínas; ii) certos aminoácidos (‘tijolos’ das proteínas) podem aumentar o dano ao material genético (DNA), o que leva ao câncer.

Os dois estudos estão em Cell Metabolism (04/03/14), e põem em xeque os efeitos de longo prazo de dietas, como a Atkins e Paleo, baseadas no alto consumo de proteína animal.

Baixa pressão

Feita por Yoko Yokoyama, do Centro Nacional Cardiovascular e Cerebral, em Osaka (Japão), análise de sete ensaios clínicos e 32 estudos, publicados entre 1900 e o ano passado, mostrou que a dieta vegetariana parecer estar associada à redução da pressão arterial quando comparada à onívora (alimentos de origem vegetal e animal). Segundo os autores – que publicaram em Journal of the American Medical Association Internal Medicine – estudos posteriores poderiam demonstrar que tipo específico de dieta vegetariana está mais associado a essa redução.

Cássio Leite Vieira
Ciência Hoje/ RJ

Texto originalmente publicado na CH 313 (abril de 2014). Clique aqui para acessar uma versão resumida da revista.

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