A mente e a mais estranha das línguas

Um falante da língua portuguesa observa um lago. Lá, estão, perto da margem, fezes recentes de um animal. Uma rajada de vento repentina empurra os dejetos para a água. Cena comum; talvez, desinteressante. A mente do observador conecta unidades básicas de seu idioma, e silenciosamente ele diz a si mesmo: “As fezes do animal foram lançadas na água pela rajada de vento”.

Voltemos décadas no tempo. A mesma cena é vista por um falante de atsugewi, considerada uma das línguas mais estranhas – talvez, a mais – do mundo. Naquele cérebro, forma-se apenas uma palavra (um verbo gigante, na verdade): ca-st’aq’ ic’t, que, incrivelmente, significa ‘por-causa-do-vento, soprando-sobre-isso, substância-escorregadia moveu-se para-líquido’.

Será que nossas duas personagens pensaram aquele fenômeno corriqueiro do mesmo modo? A realidade seria distinta para ambos pelo fato de falarem línguas (muito) diferentes?

Pensamos ou não por meio da língua?

Leonard Talmy é um dos mais importantes linguistas do planeta – apesar de se considerar um perscrutador dos mistérios da mente. Professor emérito da Universidade Estadual de Nova York (Estados Unidos), é um grande especialista em atsugewi, cujo estudo lhe rendeu um doutorado e fama mundial ainda na década de 1970. Seus livros e artigos são considerados clássicos na área.

Pensamos ou não por meio da língua? Nesta entrevista, Talmy nos revela as estranhezas do atsugewi, da linguagem e da mente.

 

Sua pesquisa de doutorado sobre línguas nativas norte-americanas levou a algumas das ideias mais importantes pelas quais o senhor é hoje conhecido. Quando escolheu seu tema, sabia antecipadamente o que iria encontrar?

Leonard Talmy
O linguista Leonard Talmy, professor emérito da Universidade Estadual de Nova York.

Minha dissertação contrastou as formas em que três línguas representam conceitos – mais especificamente, como elas representam eventos relacionados ao movimento. As línguas eram o inglês, o espanhol e o atsugewi, esta última uma língua indígena que foi falada perto de Monte Lassen, na Califórnia. Em meu doutorado, fiquei cerca de um ano naquela região, trabalhando principalmente com um dos últimos falantes nativos fluentes nessa língua.

Minha dissertação e os documentos que escrevi com base naquele trabalho estabeleceram uma tipologia semântica [classificação de como as línguas exprimem significado] relacionada ao movimento, que se tornou a primeira área pela qual fiquei conhecido.

Essas três línguas acabaram por representar os três principais padrões para expressar eventos relacionados ao movimento existentes nas línguas ao redor do mundo. Mas foi pura sorte ter escolhido o atsugewi, que apresenta o mais raro desses três padrões, já que outras línguas indígenas da Califórnia usam outros padrões.

Se eu sabia o que tinha nas mãos? Bem, quanto à língua, sim, sabia que se tratava de uma das línguas mais incríveis do mundo. Mas, quanto ao que iria resultar desse estudo, nunca imaginei como minha análise iria influenciar outros linguistas.

No quesito estranheza, o atsugewi ganhou nota máxima em uma escala de zero a 10

Qual a língua mais estranha com que o senhor se defrontou até hoje?

Naturalmente, a estranheza está no olho do observador. Por exemplo, para um falante de ojíbua [língua falada por indígenas que habitavam os Estados Unidos e o Canadá], o inglês deve parecer algo tão estranho quanto o atsugewi. Mas, tendo como base um falante do inglês, o atsugewi é um bom candidato ao posto de maior estranheza. Victor Golla, conhecido linguista norte-americano, deu ao atsugewi nota 10 em uma escala de zero a 10 [no quesito estranheza].

No entanto, a maioria dos linguistas que estudam línguas indígenas deve certamente achar que a língua que eles estão estudando é a mais incrível do mundo. Sinto-me assim sobre o atsugewi.

 

Você leu apenas o início da entrevista publicada na CH 275. Clique no ícone a seguir para baixar a versão integral. PDF aberto (gif)

 

Konrad Szczesniak
Faculdade de Língua Inglesa, Universidade da Silésia (Polônia) e
Faculdade de Letras, Universidade do Porto (Portugal)

Cássio Leite Vieira
Ciência Hoje /RJ

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