Em bijuterias ou cestas artesanais, o brasileiro capim-dourado (Syngonanthus nitens), planta típica do Jalapão (Tocantins), atrai a atenção de compradores de todo o mundo encantados com seu brilho semelhante ao do ouro. A coloração que atrai consumidores também desperta o interesse de pesquisadores.
Empenhados em descobrir o que gera a cor dourada da planta, físicos da Universidade Federal do Paraná (UFPR) conduziram uma série de análises sofisticadas até conseguir uma resposta. A procura não só deu certo como também abriu caminho para novas e inusitadas aplicações do vegetal.
O capim-dourado só apresenta essa coloração quando está seco. Por isso, os pesquisadores analisaram a planta seca com microscopia eletrônica em busca de pistas. O primeiro teste, que procurou pela presença de metais que pudessem conferir a tonalidade dourada, não deu em nada. Então os físicos partiram para uma análise da geometria do vegetal.
“Na natureza existem outros materiais que refletem luz dourada, como asas de borboletas, por exemplo, onde o que gera a cor são estruturas na superfície das asas, pequenas escamas que fazem com que a luz brinque e seja refletida dessa forma fantástica”, explica um dos autores do estudo, o físico Wido Schreiner.
Mas as análises não revelaram esse tipo de estrutura no capim-dourado, que mostrou ter uma superfície bem lisa – o que explica seu brilho, mas não sua cor. Os resultados começaram a fazer sentido quando os pesquisadores resolveram estudar os componentes químicos da planta. Foi quando descobriram que o capim-dourado contém flavonoides que interagem de modo especial com a luz do Sol.
Matéria-prima nacional
“Observamos que esses flavonoides absorvem o espectro luminoso do azul, do violeta e do ultravioleta”, explica Schreiner. “Quando a luz branca, que contém esses espectros, incide sobre o capim, os flavonoides absorvem essas cores e sobra o espectro avermelhado, que gera a cor dourada.”
A resposta abriu a possibilidade de uso dos flavonoides do capim-dourado em um campo totalmente inusitado. A capacidade de absorção de luz da substância pode ser aproveitada para fabricação de testes para o diagnóstico de variadas doenças, como Aids e hepatite.
Nesses testes, proteínas do microrganismo causador da doença são inseridas em uma gota de sangue do paciente para saber se este está infectado. Se ele já teve contato com a doença, terá anticorpos específicos para ela, e estes se ligarão às proteínas, atestando que a pessoa está infectada.
Para detectar essa relação entre proteínas e anticorpos, os laboratórios adicionam às proteínas moléculas fluorescentes que se destacam ao microscópio. Hoje, as moléculas fluorescentes usadas no país são importadas de empresas multinacionais, mas poderiam ser substituídas pelos flavonoides do capim-dourado.
“Temos a chance de ter um produto nacional, natural e de fácil acesso”, diz Schreiner, que começa agora a estudar essa possibilidade de aplicação juntamente com pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Diagnósticos para a Saúde Pública.
“O capim-dourado é uma planta nacional que poderia servir de matéria-prima. Muitos cientistas se preocupam mais em estudar coisas de fora que do próprio país; com esse estudo, nós destacamos a importância de dar valor ao que é genuinamente brasileiro.”
Sofia Moutinho
Ciência Hoje/ RJ
Texto originalmente publicado na CH 312 (março de 2014).