A obra poética de Vinicius de Moraes (1913-1980) é, sem dúvida alguma, uma das mais significativas dentro da experiência literária brasileira no século 20. Poemas e versos de Vinicius ocupam um lugar privilegiado dentro dessa tradição, não só pela riqueza de forma, estilo e técnicas, mas, principalmente, pela sua enorme capilaridade fora dos circuitos convencionais da poesia e da literatura.
Vinicius é até hoje um dos poetas mais lidos e citados em nosso país, e podemos afirmar também que foi um dos escritores que mais influenciaram na formação de um ethos afetivo da sociedade brasileira. Sua capacidade de criar, dentro de sua obra, toda uma nova ‘gramática’ sobre as formas de escrever e conceber o amor foi definitiva nesse processo.
Mas essa habilidade ímpar de descrever a experiência do amor de forma tão íntima e certeira por meio da sua poesia muitas vezes rasurou o fato de que Vinicius foi um poeta de enorme dedicação ao labor e ao fazer poético. A imagem do poetinha, do homem de espírito livre e boêmio, junto ao seu enorme sucesso como compositor popular, também influenciou decisivamente nessa rasura.
Conhecedor da tradição poética
É fundamental, nesse sentido, recuperar o fato de que Vinicius era um profundo conhecedor da tradição poética e de suas diversas escolas e estilos. Desde menino, quando passava horas transcrevendo poemas de cunho simbolista e parnasiano, passando pelo período da Faculdade de Direito, no qual se dedicou ao estudo de poetas franceses como Claudel, Baudelaire e Rimbaud, e chegando ao período de profunda imersão na obra dos poetas ingleses em Oxford, Vinicius foi um estudioso convicto e um homem com profundo interesse em conhecer não só a poesia dos autores clássicos como também em entrar em contato com toda uma fortuna crítica sobre esses autores a partir da obra de grandes ensaístas.
Ainda na década de 1930, nos anos de sua bolsa de estudos em Oxford – conquistada por meio de um dos prêmios mais importantes para poetas brasileiros do período –, Vinicius cumpria jornadas rigorosas que chegavam a 11 ou 12 horas de estudos ininterruptos. Sua fascinação pelos sonetos de Shakespeare, que o poeta traduzia de forma incessante nesse período, foi um dos pilares mais importantes para que Vinicius fosse considerado nas décadas seguintes como um verdadeiro reinventor da tradição dos sonetos na poesia brasileira.
O Soneto de Fidelidade, publicado aqui, é talvez o mais destacado exemplo da principal característica de sua obra poética: a aliança entre um conhecimento depurado da forma e a força insuperável de tocar o seu leitor através do afeto.
Miguel Jost
Programa de Literatura, Cultura e Contemporaneidade
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Curador da exposição ‘Vinicius de Moraes – 100 anos’