Estudos recentes mostraram que, além das marcas mais visíveis no corpo, o estresse crônico nos afeta em nível molecular, encurtando o tamanho dos telômeros, o que parece valer também para outros animais. Os telômeros são as regiões que se encontram nas extremidades dos cromossomos.
Devido às peculiaridades da enzima DNA polimerase envolvida na duplicação do DNA, que ocorre antes da divisão celular, se não houver ajuda de outra enzima, a telomerase, haveria um encurtamento progressivo dos cromossomos à medida que as gerações de células se sucedessem. Se isso ocorresse, os cromossomos atingiriam prematuramente um limite crítico de tamanho que os tornaria instáveis, o que comprometeria o funcionamento das células e as levaria à morte.
Sem a telomerase, a DNA polimerase só é capaz de realizar a replicação até quase o final da cadeia, deixando um pequeno trecho sem cópia nova. A telomerase evita essa situação esticando um pouco mais as extremidades do DNA, o que permite então a duplicação integral das cadeias.
Entretanto, nem mesmo a telomerase evita que, ao longo da vida de um indivíduo, o DNA vá diminuindo gradualmente. Esse processo (a diminuição dos telômeros) é um entre tantos outros que refletem em nível molecular o desgaste ocorrido nas células e que leva à parada de suas funções.
A telomerase comporia assim um sistema de reparo do DNA, mas nem sempre atuante. Ou seja, as nossas células seguem ao longo de suas vidas um programa que compreende o equilíbrio entre reações de preservação e de desgaste do material genético. No final, prevalece o desgaste e a senescência daí decorrente.
Vulnerabilidade ao ambiente
Alguns dados da literatura científica destacam o fato de que esse programa de vida das células pode ser alterado diretamente por fatores externos, como o estresse gerado pela simples interface formada entre o indivíduo e o seu ambiente mais imediato. Estamos assim diante de uma situação nova, na qual se percebe que os cromossomos, que acreditávamos estar alojados e protegidos nos núcleos das células, se revelam na verdade como entidades bem vulneráveis e sensíveis às intempéries ligadas a diferentes estilos de vida.
Essa associação foi mostrada por Elizabeth Blackburn e Elissa S. Epel num artigo recente da revista Nature que revela dados impressionantes. Por exemplo, mães que tiveram que cuidar de filhos doentes sem ajuda dos parceiros tinham telômeros mais curtos do que aqueles de mulheres de grupos-controle. Isso vale também para indivíduos expostos a ameaças constantes, como guerras e outros conflitos, problemas financeiros crônicos, maus-tratos e abandono, sobretudo em crianças.
Incidentalmente, o encurtamento precoce dos telômeros já foi demonstrado em crianças que frequentavam cursos de alfabetização, o que enfatiza a enorme importância de garantir que esse primeiro contato com a escola seja cuidadosamente planejado. Já se conhece o profundo efeito que o bullying tem na vida dos estudantes e não surpreenderia se suas vítimas apresentassem telômeros significativamente menores que seus colegas.
No artigo de Blackburn e Epel, há um diagrama que mostra também que o efeito do estresse é duradouro. Ao comparar os comprimentos dos telômeros de adultos que sofreram episódios traumáticos durante a infância, é possível notar que o encurtamento dos telômeros é diretamente proporcional à frequência destes ao longo da vida.
Mas nem tudo está perdido. Experimentos com camundongos mostram que o comprimento dos telômeros pode ser revertido, o que não só traz esperança para as vítimas do estresse como também revela uma ferramenta para avaliar o sucesso das terapias adotadas.
Fica evidente que, longe de ser o grande ditador, o genoma de um indivíduo é um parceiro bastante plástico, o que reforça a ideia de que a discussão nature x nurture (natureza x ambiente) está longe de ser resolvida.
Franklin Rumjanek
Instituto de Bioquímica Médica
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Texto originalmente publicado na CH 302 (abril de 2013).