A erosão costeira é uma alteração no meio físico, durante determinado intervalo de tempo, que ocorre quando os mecanismos que promovem a retirada de areias de determinado segmento do litoral são mais eficientes do que aqueles que as suprem. Esse ‘saldo’ entre areias que chegam e saem é chamado de balanço sedimentar e, quando negativo, resulta em erosão.
Recentemente, o engenheiro costeiro Arjen Luijendijk e colaboradores verificaram, por meio de modelagem e imagens de satélite, que 24% das praias do planeta recuam pelo efeito persistente da erosão costeira. Nas áreas onde o recuo ocorre em taxas superiores a 5 metros ao ano, a erosão é extrema e já representa 4% do conjunto global de praias.
As causas da erosão costeira podem ser evolutivas, apontando uma tendência geológica lenta de mudanças na forma do litoral, ou episódicas, em que impactos erosivos pontuais e esporádicos, de curto prazo, modificam a linha de costa.
No primeiro caso, a erosão pode ser uma resposta à elevação relativa ou absoluta do nível do mar. Mudanças climáticas podem também levar a alterações no suprimento de sedimentos e na energia que é direcionada para o litoral. No segundo caso, a erosão ocorre em função de tempestades (ressacas) excepcionais e, sobretudo, pela alteração que o ser humano promove na linha de costa. Nesse cenário, em escala global, os fatores atribuídos à interferência humana são mineração de areias e construção de estruturas costeiras.
A excessiva extração de areias de calhas fluviais resulta em déficit de materiais para abastecer a costa. A construção de estruturas costeiras em áreas onde existe intenso transporte de sedimentos e os efeitos a sotamar (para onde se dirige a corrente ou os sedimentos) das estruturas promovem a erosão (figura 1).
Esses impactos e seus variantes, tanto associados à construção de barragens e mineração de areias em rios e estuários quanto a obras costeiras, são muito comuns no mundo inteiro. No Brasil, o geógrafo DieterMuehe mostrou, em 2005, que os problemas de erosão surgem devido à urbanização que avança sobre as praias e imobiliza faixas de movimentação da areia ainda ativas.
A erosão ocorre ao longo de 40% do litoral brasileiro e é um dos riscos ambientais importantes nas áreas litorâneas urbanizadas, que já estão enfrentando – ou devem enfrentar –problemas severos, como a redução de território, destruição de infraestrutura urbana e propriedades privadas, perda de hábitats e fragilização dos ecossistemas costeiros. E as soluções não são óbvias nem simples.
Nenhuma opção de estabilização da linha de costa consegue interromper permanentemente a erosão costeira. O nível de proteção depende da opção escolhida, dos recursos disponíveis, das dimensões do projeto e das condições específicas da área em erosão. Todas as opções de defesa do litoral precisam de manutenção, com maior ou menor frequência, e requerem propostas de mitigação dos impactos ambientais negativos que proporcionam.
Para minimizar ou mitigar problemas de erosão costeira, é usualmente considerada a execução de obras que buscam a defesa do litoral. São também indispensáveis estudos que determinem parâmetros relacionados à variação relativa do nível do mar, aspectos meteorológicos e oceanográficos, estimativas de evolução da faixa costeira, entre outros, para detectar possíveis tendências do comportamento recente da área a ser tratada.
Em geral, obras de defesa do litoral são intervenções que visam transportar sedimentos, estabilizar ou ampliar a linha de costa e defendê-la contra a erosão. Podem ser classificadas entre ‘obras artificiais’ e ‘obras naturais’. As primeiras, chamadas também de ‘obras rígidas’, feitas em áreas com transporte litorâneo intenso, devem dispor essencialmente de estruturas de defesa perpendiculares à costa, ou quase, como espigões, guias-corrente e molhes (figura 2), que consistem usualmente em blocos rochosos sobrepostos utilizados para conter a ação das ondas e correntes. Nas áreas onde o transporte litorâneo é nulo, as obras devem ser dimensionadas de forma longitudinal à praia, de modo a fixar a posição da linha de costa ou a conter o efeito das ondas, como no enrocamento, no quebra-mar destacado, em muros ou paredões (figura 3).
Já as ‘obras naturais’, também chamadas de ‘obras leves’, buscam aproveitar as condições que praias e dunas, entendidas como linhas de defesa naturais, proporcionam. É o caso dos sistemas de transposição artificial de areias e dos projetos de recuperação (ou alimentação) artificial de praias e dunas. Essas são as únicas intervenções que preveem a adição de materiais semelhantes aos perdidos para repor o estoque e conter os avanços da erosão costeira.
Os sistemas de transposição artificial de areias visam suprir o déficit de sedimentos causado pela interrupção parcial ou total, seja ela por causas naturais ou artificiais, do transporte de sedimentos. Os princípios são simples e consistem no bombeamento (ou na dragagem), no transporte e na deposição das areias, da área fonte para a área de intervenção. No entanto, algumas etapas operacionais partindo do projeto do sistema e das distâncias do transporte podem ser complexas e onerosas.
O Corpo de Engenheiros Militares Norte-americanos (Usace) considera o preenchimento artificial do sistema praia-duna como a solução de melhor custo/benefício para proteger o litoral da erosão costeira. O consenso é que a construção ou recuperação do sistema praia-duna com a alimentação artificial de dunas e praias atende o problema da erosão costeira, uma vez que a duna protege a comunidade e a praia protege a duna. A duna age como uma barreira frente ao impacto de ventos e ondas e reduz a possibilidade de inundações. A praia e a duna absorvem a maior energia de uma tempestade antes que ela afete as propriedades e a infraestrutura à retaguarda.
Uma percepção enganosa comum sobre os projetos de alimentação artificial de praias e dunas é que eles são falhos, já que são destruídos pelas ondas durante tempestades. Na verdade, esses projetos têm a finalidade de absorver a energia e fazem isso se movimentando e mudando suas formas. A continuidade é uma das ideias chave, uma vez que as areias desses projetos que são ocasionalmente erodidas serão livremente movimentadas para outras áreas do litoral, o que não compromete sua estabilidade.
No Brasil, o principal exemplo desse tipo de intervenção é o que foi feito na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, em 1969-70, visando defender a orla urbanizada do ataque de ondas de tempestade, assim como ampliar a faixa de praia recreativa (figura 4). O engenheiro português Daniel Vera Cruz apresentou, em 1972, o resumo dos estudos e procedimentos técnicos dessa intervenção, indicando o crescimento da faixa de areia de 55 para 140 metros provenientes de 3,5 milhões de m³ de areias dragadas da zona submarina.
Nos Estados Unidos, proprietários de imóveis na faixa costeira costumavam ver as dunas como empecilhos para avistar o mar e ter acesso à praia. No passado, os projetos de recuperação artificial de praias mantinham o foco no alargamento da praia e não na recuperação ou construção de dunas artificiais.Após a passagem do furacão Sandy, em outubro de 2012, e contabilizadas suas consequências catastróficas, o contraste óbvio entre os segmentos litorâneos que foram protegidos da tempestade graças à absorção da energia pelas dunas e aqueles segmentos que não continham dunas e tiveram perdas materiais maiores provocou uma mudança drástica na opinião pública sobre a presença das dunas.
As dunas passaram, então, a ser vistas como commodities (produtos de qualidade) que agregam valor aos imóveis situados na frente da praia. O volume de investimentos federais para proteger a costa nos Estados Unidos vem sendo direcionado para projetos de recuperação artificial de praias, uma vez que eles são considerados como defesas ‘leves’, flexíveis, naturalmente reversíveis e facilmente modificáveis.
Diversos projetos na costa leste, oestee no golfo podem ser tomados como exemplo onde esse tipo de prática é atualmente a mais comum para resolver questões de erosão costeira(figura 5). Entre 1950 e 2006, o Usace ajudou a construir aproximadamente 550 km de projetos de recuperação artificial de praias no litoral norte-americano.
Na Holanda, desde a Idade Média, os habitantes se protegem de inundações construindo diques de frente para o mar e ao longo dos canais. Nas áreas litorâneas onde existiam dunas, os diques não eram necessários. Naquele país, dunas são historicamente conhecidas por defender o litoral e são valorizadas por abastecer as fontes de água potável através da infiltração, por criar áreas de recreação e por serem áreas críticas do ponto de vista ecológico.
Em um país onde 26% do território e 21% da população vivem abaixo do nível do mar, por determinação governamental, as obras de defesa do litoral são construídas para manter a costa na posição atual, preferencialmente por meio de alimentação artificial do sistema praia-duna. O maior projeto desse tipo em curso hoje no mundo visa conter a erosão costeira e preparar o litoral holandês para a elevação do nível do mar. Chama-se de Sandengine, ou ‘motor de areia’, e muda o paradigma de projetos para defesa do litoral ao se antecipar aos problemas de erosão e inundação, ao concentrar volumes de 21 milhões de m³ em um mega terraço arenoso, que visa atender cerca de 20 km de linha da costa em 20 anos a um custo estimado de 81 milhões de dólares – mais eficiente do que implementar projetos individuais ao longo do litoral (figura 6).
Recentemente, o governo federal brasileiro, por meio do Ministério do Meio Ambiente, lançou o Programa Nacional para Conservação da Linha de Costa (Procosta), que prevê uma série de subprojetos. Entre eles, destaca-se o de Monitoramento e Gestão para a Conservação da Linha de Costa, no qual as regiões litorâneas terão a possibilidade de transformar os ecossistemas costeiros, que cumprem a função de proteção natural (dunas, restingas, manguezais, recifes de coral), em ativos econômicos, sociais e ambientais dentro de algum tipo de mecanismo de valoração e pagamento a ser trabalhado entre os três níveis de governo.
As oportunidades no âmbito federal de conservação dos ecossistemas costeiros, em uma escala de tempo de 5 a 100 anos, deverão ser acompanhadas de mecanismos de incentivo aos estados e municípios com esses ativos ambientais.
Ao que parece, existe agora, no Brasil, uma nova e ainda incipiente consciência dos pesquisadores, cientistas e especialistas e algum esforço em nível federal de adotar as soluções baseadas na natureza (naturebasedsolutions) para defesa e restauração dos ecossistemas costeiros, entendendo-os como ativos fundamentais para a adaptação frente aos riscos de desastres naturais. É o caso da inundação e da erosão costeira, fenômenos que tendem a aumentar e se espalhar com o atual cenário de aceleração das mudanças climáticas, incluindo as projeções de elevação do nível do mar e do aumento na frequência e na magnitude das tempestades (ressacas) mais fortes.
Resta saber se a opinião pública, as grandes empresas e corporações e os gestores em nível estadual e municipal conseguirão responder e adotar as novas boas práticas de defesa da costa para os problemas atuais e futuros de erosão costeira no litoral brasileiro.
Eduardo Bulhões
Departamento de Geografia
Universidade Federal Fluminense
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