A era dos megaincêndios

Instituto de Geociências
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Evitar incêndios é praticamente impossível, porque há áreas planetárias propensas naturalmente a esses eventos, como as regiões mediterrâneas e savânicas. Mas, meio século atrás, eles eram em menor número e menos destrutivos. Porém, nas últimas décadas, os chamados megaincêndios se tornaram notícia recorrente. Por quê? A ciência tem mostrado que as mudanças climáticas e alterações na cobertura do solo – com uma ajuda significativa da ação humana – têm papel preponderante nessas catástrofes, cujos danos materiais e humanos são geralmente devastadores.

ROGERIO FLORENTINO / GREENPEACE

Mulher corre em meio à destruição causada pelos incêndios na Califórnia em 2025

CRÉDITO: DAVID MCNEW / GREENPEACE

Ao ouvir as recentes notícias sobre os incêndios devastando novamente o estado da Califórnia (EUA) e o Chile, em janeiro e março deste ano, tive uma terrível sensação de déjà vu, porque a ferocidade das chamas, mais uma vez, resultou em um desastre humanitário. 

Quando eu era estudante de graduação em geofísica na Universidade de Lisboa, quase três décadas atrás, as aulas sobre desastres naturais costumavam focar nos impactos socioeconômicos de terremotos, vulcões, deslizamentos de terra, tsunâmis, tempestades, furacões e inundações. 

Eu só conseguia imaginar incêndios como um desastre cinematográfico, como aqueles vistos em filmes apocalípticos em que as pessoas tentavam escapar desesperadamente das chamas – portanto, eventos supostamente improváveis de acontecer durante minha vida. 

Mas algo antecipou esse cenário e alimentou esses eventos até que se tornassem manchetes frequentes ao redor do mundo. Hoje, como professora e cientista especializada em incêndios na Universidade Federal do Rio de Janeiro, já perdi a conta de quantas vezes tive que analisar as consequências devastadoras de incêndios catastróficos – isso tem ocorrido pelo menos uma vez por ano, forçando-me a atualizar o conteúdo de minhas aulas.

Por exemplo, em 2023 e no ano passado – os dois períodos mais quentes já registrados na história –, incêndios catastróficos no Brasil e no mundo tiraram centenas de vidas e causaram destruição generalizada em ecossistemas únicos, não só impactando a biodiversidade, mas também emitindo toneladas de carbono e material particulado para a atmosfera. 

Em 2023, no Havaí, os danos materiais causados por essas catástrofes foram estimados em cerca de 5,5 bilhões de dólares (cerca de R$ 32 bilhões no câmbio de abril de 2025). Naquele mesmo ano, a quantidade de gás carbônico liberada pela temporada de incêndios no Canadá foi comparável às emissões anuais de combustíveis fósseis de grandes nações. 

No início do ano passado, incêndios de rápida propagação na região central do Chile foram responsáveis ​​por mais de 130 mortes, 40 mil pessoas afetadas e 7 mil casas destruídas – foi o pior desastre natural naquele país desde o terremoto de 2010. 

Na Bolívia, a temporada de incêndios do ano passado foi a mais descontrolada já registrada naquele país, quando mais de 15 milhões de hectares foram queimados, liberando cerca de 100 milhões de toneladas de carbono. 

O governo boliviano declarou estado de emergência, por causa dos impactos no meio ambiente, na saúde pública, biodiversidade e produtividade humana – mais de 65 mil famílias foram afetadas, incluindo populações tradicionais e indígenas. 

No Pantanal brasileiro, a maior área úmida tropical do mundo, a temporada de incêndios, geralmente, começa em meados de julho. Mas, no ano passado, a região observou 420 mil hectares sendo queimados em junho – 50 vezes mais do que o esperado para aquele mês.

Quatro anos antes, em 2020, o Brasil testemunhou a pior temporada de incêndios no Pantanal, quando 3,9 milhões de hectares (aproximadamente um terço do bioma) foram consumidos pelas chamas em meio à pandemia de covid-19. 

Em razão da poluição do ar, a demanda por internações hospitalares aumentou não só em comunidades indígenas e ribeirinhas locais, mas também em regiões distantes, como o Sudeste, por causa do transporte de fumaça. 

Aproximadamente 17 milhões de vertebrados foram mortos pelas chamas, e terras indígenas e unidades de conservação foram devastadas. Os custos econômicos aproximados são da ordem de 3,6 bilhões de dólares (cerca de R$ 20 bilhões, câmbio de abril de 2025). 

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