Se você estiver perto do mar, certamente a palavra capaz de lhe causar arrepios é ‘tubarão’. Esse pavor que muitas pessoas sentem pode até ser justificável. Afinal, ataques causados por espécies como o tubarão-tigre (Galeocerdo cuvier), o tubarão-cabeça-chata (Carcharhinus leucas), o tubarão-branco (Carcharodon carcharias) e algumas outras podem realmente provocar graves ferimentos e até a morte.
O medo em relação a esses peixes, no entanto, não era tão difundido. Isso aconteceu principalmente após o lançamento do famoso filme Tubarão, em 1975, pelo diretor Steven Spielberg. Nesse filme, sucesso de bilheteria em todo o mundo, um grande tubarão-branco aterroriza uma cidade turística litorânea.
Esses animais apenas cumprem seu papel ecológico, como tantos outros predadores do topo da cadeia alimentar, nos oceanos e em outros ambientes. A partir do filme, porém, deixaram de ser vistos como grandes peixes que às vezes atacam seres humanos e ganharam o equivocado status de feras assassinas, que para muitos merecem ser banidas dos oceanos.
Na verdade, apenas algumas espécies de tubarões, entre as cerca de 500 existentes, são capazes de atacar humanos, e o número de ataques em todo o mundo é pequeno – cerca de 60 por ano, poucos deles fatais, segundo banco de dados mantido pela Universidade da Flórida (Estados Unidos).
Obviamente, embora tenha causado impacto e alavancado um grande temor, a obra de Spielberg não é nem de longe o maior problema enfrentado pelos chamados ‘reis dos mares’. A estreia do filme aconteceu há quase 40 anos, e desde então muita coisa mudou no relacionamento entre os humanos e o ambiente. Agora, os tubarões e as raias (ou arraias), pertencentes ao grupo dos elasmobrânquios, são cada vez mais vistos como vítimas indefesas.
A questão das barbatanas
A pesca de tubarões e raias sempre foi comum para muitas populações costeiras em praticamente todo o mundo, principalmente para fins alimentares. No entanto, a partir de poucas décadas atrás, o consumo de carne de elasmobrânquios se popularizou e a captura desses animais, que normalmente era acidental, passou a ser o objetivo específico de muitas artes de pesca.
Mas, grande parte das pessoas ainda não relaciona a carne de cação com os tubarões. O termo ‘cação’ é usado comercialmente para despistar, evitando a ideia do consumo de um animal supostamente devorador de seres humanos.
No Brasil, a pesca de elasmobrânquios é realizada ao longo de toda a costa, tanto de forma artesanal quanto industrial, com desembarques de até mil animais por viagem (de 30 dias no mar, em média), dependendo do porte da embarcação e da região de pesca.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a captura desses animais chega a cerca de 15 mil toneladas anuais, o que representa em torno de 2% do total mundial (quase 740 mil toneladas em 2008, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentos e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), mas esses números estão seguramente subestimados.
Atualmente, o maior incentivo a essa pesca é o comércio mundial de barbatanas (nadadeiras) de tubarão para atender a hábitos de consumo de algumas regiões da Ásia. Em países como China, Coreia do Sul e Coreia do Norte, uma sopa gelatinosa feita com as nadadeiras é considerada uma iguaria ‘refinada’ e, além disso, segundo crença difundida entre esses povos, teria efeitos afrodisíacos.
Seja qual for o motivo da utilização das nadadeiras, esse tipo de comércio movimenta bilhões de dólares em todo o mundo. Enquanto a carne do tubarão (cação) custa em média US$ 10 por quilo no mercado internacional, um quilo de nadadeiras pode chegar a US$ 500.
Mesmo no Brasil, o comércio de nadadeiras é forte e continua ativo: em 2008, o país exportou, apenas para a China, US$ 2,3 milhões em nadadeiras de tubarão. Cifras tão atrativas fazem com que a pesca de tubarões para a retirada das nadadeiras ocorra hoje em todos os oceanos, provocando expressivo e preocupante declínio da população de algumas espécies, o que implica grande risco de extinção.
A redução populacional de algumas espécies, devido a essa exploração pesqueira sem controle, chega a até 97% em algumas regiões.
Fernando F. Mendonça
Fausto Foresti
Instituto de Biociências de Botucatu
Universidade Estadual Paulista