Resultado recente revigora a esperança de obtenção de novas drogas para uma das mais devastadoras doenças do planeta: a malária, transmitida pela picada de um mosquito e responsável pela morte de aproximadamente 2 milhões de pessoas por ano. Com a alteração de um mecanismo bioquímico do parasito que causa a doença, o Plasmodium, uma equipe internacional de pesquisadores conseguiu frear o desenvolvimento desse micro-organismo no fígado do hospedeiro.

Outro trabalho apresenta os resultados animadores de uma nova vacina, que poderá ser aprovada para comercialização ainda em 2010. Os artigos foram publicados, respectivamente, nas revistas Cell Host & Microbe e The New England Journal of Medicine.

Protozoários Plasmodium falciparum, uma das espécies desse gênero de parasito que causam a malária (foto: CDC).

A malária continua sendo um dos principais problemas de saúde pública no mundo, ceifando cerca de 2 milhões de vidas anualmente. Mesmo com o crescente investimento no desenvolvimento de novas drogas para o combate dessa doença, o surgimento de parasitos resistentes aos atuais antimaláricos faz com que o combate à epidemia se torne cada vez mais árduo.

Apresentando um ciclo de vida complexo, o parasito passa por diversas formas celulares, tanto no mosquito (onde passa parte de seu ciclo de vida) quanto no hospedeiro vertebrado (onde causa a doença). Quando um mosquito infectado pica um vertebrado, ele injeta, juntamente com a saliva, uma forma infecciosa conhecida como esporozoíto. Após um passeio pela pele, os parasitos rumam em direção ao fígado, onde se multiplicam aos milhares.

Saindo do fígado, uma nova forma, denominada merozoíto, invade as hemácias (células vermelhas do sangue), começando um novo ciclo, responsável pelos sintomas clássicos da doença: as febres periódicas. A febre é resultado da ruptura das hemácias após a divisão do parasito em seu interior. Esse evento é altamente sincronizado. Nele, a melatonina (hormônio secretado pelo vertebrado no período da noite) tem papel importante: é capaz de sincronizar as fases do ciclo de vida do parasito no estágio sanguineo tanto em culturas celulares quanto em camundongos, bem como desencadear vários mecanismos bioquímicos sinalizadores no parasito.

A complexa biologia do parasito está intrinsecamente associada à dificuldade em erradicar a doença. Para isso, é fundamental o estímulo de estudos que ajudem a desvendar mecanismos de sobrevivência engendrados pelo parasito para sobreviver no hospedeiro.

Desenvolvimento do parasito
Recentemente, uma equipe internacional liderada por David Fidock, da Universidade Colúmbia (Estados Unidos), publicou, no periódico Cell Host & Microbe, um trabalho interessante a partir de estudos do mecanismo bioquímico de produção, no parasito da malária, dos chamados ácidos graxos (estruturas básicas que formam as gorduras). Essa via bioquímica não é encontrada em humanos. Porém, quando uma enzima desse mecanismo foi retirada do parasito, notou-se que não havia diferença significativa em suas fases sanguíneas.

No entanto, na forma do Plasmodium, que infecta o mosquito, foi observado que esses parasitos têm seu desenvolvimento freado no fígado do hospedeiro. Assim, os pesquisadores mostraram que essa via não é essencial na fase sanguínea, porem é indispensável na fase hepática, sendo então um possível alvo para o desenvolvimento de novas drogas contra a malária.

Há cerca de 30 anos, dois pesquisadores brasileiros trabalhando em malária nos Estados Unidos, Victor e Ruth Nussenzweig, identificaram um antígeno (proteína capaz de provocar uma reação do sistema imune) importante como alvo para uma possível vacina contra malária. Esse antígeno, denominado proteína do circunsporozoíta, é produzido em grandes quantidades na forma infecciosa do parasito, o esporozoíto, daí seu nome.

Após extensa caracterização das propriedades desse antígeno pelos pesquisadores brasileiros, um grupo de pesquisa em malária do Instituto Militar de Pesquisa Walter Reed (Estados Unidos) conseguiu fazer com que leveduras (fungos) passassem a produzir essa proteína. Apesar de essa proteína ter sido obtida ainda na década de 1980, testes pré-clínicos que investigaram sua ação contra a malária fracassaram devido à falta de substâncias adjuvantes de qualidade na preparação da vacina.

Somente na década seguinte, então em associação com uma empresa multinacional, a GSK, foi desenvolvida uma formulação que se mostrou altamente eficaz no homem, capaz de prevenir a infecção nos indivíduos vacinados. Nestes últimos 10 anos, diversos testes clínicos foram feitos na África utilizando essa formulação da GSK em estudos patrocinados por várias organizações mundiais de apoio à pesquisa, como o Instituo Nacional de Pesquisas dos Estados Unidos, o Mercado Comum Europeu, a Organização Mundial de Saúde, a Fundação Bill e Melinda Gates.

Testes animadores
Testes clínicos recentes dessa vacina mostraram efeitos inequívocos na prevenção de malária em crianças causada pelo Plasmodium falciparum, uma das quatro espécies do parasito que provocam a doença. Os estudos de vacinação foram conduzidos na África, mais especificamente no Quênia e Tanzânia. Em um dos estudos, 402 crianças foram vacinadas. Nestas, o número de episódios de malaria foi reduzido em cerca de 50% quando comparado àquele relativo às crianças que receberam somente a vacina contra hepatite B.

Em um estudo paralelo, 170 crianças foram imunizadas seguindo o esquema das vacinas pediátricas convencionais. Foi determinado que a adição da vacina contra malária não afetou significativamente a eficiência das demais vacinas pediátricas. Neste último grupo, também se observou uma redução significativa no número de casos da malária com uma eficiência de 65%.

Esses testes clínicos solidificaram o uso da proteína do circunsporozoíta da malária como um antígeno vacinal e abriram as portas para a primeira vacina comercial contra um parasito humano.

Os próximos (e últimos) testes da vacina estão marcados para este ano. E, se confirmados os resultados atuais, ela poderá ser comercializada já em 2010.

Piero Bagnaresi
e Célia R. S. Garcia
Departamento de Fisiologia,
Instituto de Biociências,
Universidade de São Paulo
Maurício Rodrigues
Departamento de Parasitologia,
Universidade Federal de São Paulo 

 

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