A ambiguidade característica dos humanos talvez se faça sentir com mais força no contexto das questões ambientais. Por um lado, lamentamos publicamente os danos que causamos à natureza. Por outro, continuamos a destruí-la. O problema dos animais sob risco de extinção, decorrente de ações humanas, é um exemplo típico.

Recentemente, a imprensa publicou uma lista – bem incompleta, é verdade – das espécies ameaçadas, e um exame rápido revela um traço comum entre elas. São, na maioria, animais que poderíamos classificar como ‘bonitinhos’. Estão na lista o lobo-guará, a jaguatirica, o peixe-boi-da-amazônia, as ararinhas-azuis, os golfinhos, as tartaruguinhas do Projeto Tamar e outros que exercem em nós um apelo especial.

As espécies que reconhecemos como dignas de atenção prioritária não são necessariamente aquelas cuja extinção produziria um desequilíbrio importante na natureza, mas sim as que evocam em nós uma empatia particular. Por isso, são conhecidas como ‘espécies carismáticas’, e nem mesmo os biólogos conseguem explicar por que merecem esse tratamento diferenciado – a não ser invocando nosso lado emocional. Se as gaivotas que se alimentam das pequenas crias das tartarugas marinhas pudessem participar do debate, seguramente se posicionariam, de modo enfático, contra o Projeto Tamar.

Filhote de panda-gigante (Ailuropoda melanoleuca) com sete meses de idade na reserva natural de Wolong, na China (foto: Sheila Lau).

Embora as abelhas possam ser incluídas na lista dos carismáticos, a ameaça que paira sobre elas (a forte redução das colmeias foi constatada nos EUA e na Europa) não parece nos afetar da mesma maneira que o risco de extinção do urso-panda, que até se tornou o símbolo do Fundo Mundial para a Natureza (WWF, na sigla em inglês).

Há um grande movimento em torno dos pandas, reunindo muitas organizações que, com determinação, tentam impedir a inexorável extinção desse animal ‘fofinho’. Em contraste, a possível extinção das abelhas não comove ninguém.

No entanto, elas têm papel importantíssimo na polinização das angiospermas, ou seja, as plantas com flores. Se considerarmos que essas plantas correspondem a quase 90% de todas as que existem no planeta e que sua reprodução depende, em grande parte, do transporte do pólen entre as flores por muitos animais, em especial as abelhas, deveríamos estar muito mais preocupados com a preservação desses insetos.

‘Pedindo’ para se extinguir
Se os pandas desaparecessem amanhã, provavelmente o mundo continuaria a ser mais ou menos o mesmo, mas se isso ocorresse com as abelhas a situação seria bem diferente. Além da falta do mel nos supermercados, grande proporção da vegetação atual deixaria de existir. O panda, com sua especialização alimentar (come basicamente folhas e brotos de bambu) e sua baixa taxa de reprodução, está ‘pedindo’ para se extinguir.

Podemos prever que os investimentos do WWF serão perdidos. De todo modo, quem compreende a evolução por seleção natural sabe que a extinção é parte do processo – por exemplo, se os dinossauros não tivessem desaparecido, os mamíferos não teriam ocupado a Terra e, em consequência, os humanos não estariam aqui hoje perturbando o meio ambiente.

Os movimentos de preservação da flora e da fauna, embora bem intencionados, obedecem a critérios que, obviamente, não são lógicos e, seguramente, não parecem resultar do conhecimento ecológico disponível, em seus múltiplos aspectos. De que adianta salvar uma espécie da extinção, lançando mão de reservas, por exemplo, para em seguida devolvê-la a áreas que continuam degradadas? A espécie sobreviverá apenas no ambiente protegido da reserva, capaz de sustentar somente um número de indivíduos bem inferior ao que normalmente existiria na biosfera.

A atitude que ninguém quer adotar é a que deveria anteceder a preservação das espécies: a preservação do meio ambiente. Mas isso, como testemunhamos todos os dias, dificilmente acontecerá. Com um misto de húbris e remorso, os humanos não desistirão do nível atual de consumo de energia e continuarão a selecionar quais espécies vão ou não embarcar em sua arca furada.

Franklin Rumjanek
Instituto de Bioquímica Médica,
Universidade Federal do Rio de Janeiro
[email protected]

 

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