Uma máquina pode ser definida como um aparelho – formado por componentes, como motor, pistão, válvula e engrenagem – que executa uma tarefa ao ser fornecida a ele energia.
Máquinas permeiam nosso cotidiano. Por exemplo, acordamos ao som do despertador; preparamos café usando uma cafeteira elétrica; conferimos nossas mensagens de correio eletrônico no computador; andamos de carro, ônibus, metrô, avião, trem, barco… Máquinas nos ajudam a economizar e otimizar nosso tempo, para que possamos empregá-lo de outras maneiras.
Uma máquina molecular, também denominada nanomáquina – o prefixo nano (anão, em grego) indica que a máquina tem dimensões na ordem de um bilionésimo de metro (10-9m) –, pode ser descrita com base nos mesmos conceitos empregados para definir uma máquina macroscópica: dispositivo que executa determinada função ao receber um estímulo externo que pode ser elétrico, luminoso, químico ou térmico. Contudo, os componentes que formam uma nanomáquina são moléculas ou aglomerados de átomos.
As nanomáquinas podem ser naturais ou artificiais. As mais importantes – e mais estudadas – do primeiro tipo são a proteína miosina e a enzima F0F1-ATP sintase. Esta última, formada por proteínas, é uma das máquinas moleculares naturais mais eficientes conhecidas.
Converte a energia que vem da molécula adenosina trifosfato (ou simplesmente ATP) em movimento rotacional com quase 100% de eficiência, percentual praticamente inalcançável no reino das máquinas macroscópicas.
A miosina, responsável pela contração e extensão muscular, pertence a uma classe de motores lineares proteicos que convertem energia química em trabalho, com base nos movimentos coletivos de seus componentes moleculares. São máquinas biológicas complexas e sofisticadas cujo funcionamento é responsável por processos vitais do organismo.
O primeiro protótipo
Inspirados por motores proteicos naturais, cientistas – entre eles, vários químicos – desenvolveram nanomáquinas artificiais – daí, merecidamente, serem, por vezes, chamados arquitetos ou engenheiros do mundo molecular.
Essas nanomáquinas de laboratório são ainda primitivas quando comparadas às naturais. Mas não podemos esquecer que a natureza levou milhares – ou milhões – de anos para que as nanomáquinas naturais pudessem realizar suas tarefas de modo eficiente.
O norte-americano Richard Feynman (1918-1988), Nobel de Física de 1964, é considerado o pai da nanotecnologia. Cerca de 20 anos depois de sua palestra profética e desafiadora em 1959, a equipe de Seiji Shinkai, da Universidade de Kyushu (Japão), construiu o primeiro protótipo de nanomáquina. No caso, uma molécula que funciona como uma chave liga-desliga acionada pela luz.
A partir desse primeiro protótipo de nanomáquina artificial, houve progresso gigantesco nessa área de pesquisa, principalmente devido à combinação de fatores como: i) o avanço de métodos de síntese (‘fabricação’) de substâncias orgânicas e inorgânicas; ii) o desenvolvimento de técnicas computacionais que permitem entender os tipos de ligações e interações químicas presentes nos sistemas; iii) o avanço de técnicas analíticas para caracterizar a estrutura das moléculas.
O grande sonho dos químicos que trabalham nessa área é construir nanomáquinas que sejam tão eficientes quanto as naturais e que executem tarefas como transporte de medicamentos para pontos específicos do corpo humano; localização e destruição de moléculas orgânicas tóxicas presentes no ar e na água; transporte mais rápido de informações etc.
Pode parecer ficção científica, mas muitos sistemas assim já foram fabricados. Entre os mais interessantes, estão nanomáquinas que exercem a função de músculos artificiais, caminhões, rotores, elevadores, válvulas etc. Todas são movidas por um combustível específico, que pode ser químico, fotoquímico, eletroquímico ou térmico.
Algumas dessas nanomáquinas: i) músculos moleculares artificiais, com componentes capazes de se contrair e se estender, com movimento similar aos músculos naturais; ii) caminhões moleculares, formados por rodas, chassi e eixos; iii) rotores à base de moléculas com duas partes que giram uma em torno da outra de forma controlada, de modo semelhante a um giroscópio; iv) nanoelevadores com plataformas moleculares que sobem e descem entre duas estações; v) nanoválvulas que lembram reservatórios com um componente móvel que se abre e fecha, como uma porta, liberando seu conteúdo.
Célia Machado Ronconi
Laboratório de Química Supramolecular e Nanotecnologia
Instituto de Química, Universidade Federal Fluminense