O papel biológico do orgasmo masculino é claro para a maioria das pessoas. Como invariavelmente ele está ligado à ejaculação, não há qualquer dúvida a respeito de sua função reprodutiva. O orgasmo masculino seria assim uma espécie de ‘festa de comemoração’, favorecida pela seleção natural, ao longo da evolução, para incentivar e premiar a esperada transferência do esperma para o aparelho reprodutivo da fêmea.
O papel biológico do orgasmo feminino, no entanto, é considerado um grande mistério. Para começar, não existe sincronia entre o momento do orgasmo feminino e a liberação dos óvulos pelos ovários.
Aliás, o período exato do ciclo menstrual em que as mulheres estão férteis parece ser um segredo tão bem guardado que, aparentemente, nem mesmo elas sabem. Muito menos seus parceiros!
Essa ‘ovulação oculta’ contrasta bastante com o ocorre com as fêmeas de muitos outros mamíferos, que anunciam aos quatro ventos seu estado fértil por meio de cores brilhantes, cheiros especiais e solicitações ostensivas.
O orgasmo feminino é uma sensaçãovariada e aguda de prazer intenso, que cria um estado alterado deconsciência. Começa, em geral, junto com contrações involuntárias erítmicas da musculatura estriada pélvica cincunvaginal, acompanhadas,com frequência, de contração do útero e do ânus, e um relaxamento lentoque desfaz (algumas vezes parcialmente) a vasoconstrição induzida peloato sexual, induzindo bem-estar e contentamento.
Em chimpanzés, por exemplo, as partes íntimas das fêmeas tornam-se irresistivelmente rosadas e elas exibem um comportamento altamente receptivo.
Entretanto, a norte-americana Elisabeth Anne Lloyd, filósofa da biologia, da Universidade de Indiana (Estados Unidos), acredita que não há mistério algum a ser desvendado. Em sua opinião, o orgasmo feminino não teria função biológica. Seria simplesmente um subproduto da evolução do orgasmo masculino, este com uma clara função biológica.
Esse tipo de explicação não adaptacionista é a mesma usada para explicar por que os homens têm mamilos, já que estes não têm função alguma no corpo masculino.
Uma hipótese atual propõe que os mamilos masculinos seriam subprodutos da evolução dos mamilos femininos, estes com clara função biológica, associados ao cuidado dos bebês.
Assim, tanto os mamilos nos homens quanto o orgasmo nas mulheres seriam uma espécie de ‘troça’ pregada pelos complicados mecanismos de herança genética dos caracteres.
Darwin e a teoria da seleção sexual
Muitos pesquisadores acreditam, porém, que o orgasmo feminino, em toda a sua complexidade fisiológica, morfológica e comportamental, só pode ser compreendido por meio da teoria da seleção sexual proposta pelo naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882).
Em seu famoso livro A origem do homem e a seleção sexual, de 1872, ele propôs que as disputas sexuais entre indivíduos da mesma espécie influenciam profundamente sua evolução. Segundo Darwin, essas disputas podem ser divididas em dois tipos principais: competição entre machos e escolha por parte das fêmeas.
A competição entre machos é a velha disputa que permite estabelecer uma hierarquia de dominância entre eles. Afinal, quem é o maior, mais forte, mais veloz, mais bonito e mais saudável entre os jovens da região? No mundo animal, muitas vezes essa hierarquia é decidida com a ajuda de dentes, garras e chifres, em lutas de final nem sempre feliz.
Na espécie humana, essa competição se manifesta de modo diferente em cada cultura. Em alguns casos, ela pode ser mais ‘animal’, enquanto em outros casos pode ser ritualizada e regrada, como acontece em campos de futebol, bares, pátios de escolas, ambientes de trabalho e, mesmo, no trânsito.
Na história humana, poder e sexo sempre estiveram associados. Antes da difusão de alguns conceitos democráticos e religiosos do Ocidente, os homens que ocupavam posições mais altas na hierarquia de suas sociedades conquistavam as maiores performances reprodutivas, ou seja, tinham mais filhos.
Sociedades em que apenas um homem atingiu um grau ilimitado de poder são particularmente ilustrativas. Todos os déspotas de grandes civilizações antigas (babilônica, egípcia, hindu, chinesa, asteca e inca) organizaram grandes haréns, contendo de centenas a milhares de esposas, concubinas ou escravas, às quais eles tinham acesso sexual exclusivo.
Os únicos homens permitidos nesses haréns eram os eunucos, castrados ainda em idade precoce. Essa poligamia extrema, incomum na espécie humana, invariavelmente levou a extraordinárias hordas de descendentes.
A escolha pela fêmea é um mecanismo mais sutil. Como cada fêmea, ao longo da vida, tem apenas algumas oportunidades reprodutivas, não é vantajoso desperdiçar essas poucas chances com qualquer um. Assim, as fêmeas desenvolveram grande capacidade de observação.
Cada potencial parceiro é submetido a um cuidadoso exame, no qual suas potencialidades e defeitos são registrados e considerados. Aqueles que se saírem melhor nos testes terão grande chance de ser escolhidos como parceiros sexuais.
Quanto aos ‘reprovados’… Bem, quem sabe em uma próxima vez. Essa seleção criteriosa é justificada, já que, em função dos mecanismos de herança genética, as boas características do parceiro escolhido têm grande chance de aparecer em seus filhos. As más, também.
Para que serve o orgasmo feminino?
Diversas hipóteses adaptacionistas foram propostas para explicar o orgasmo feminino. O zoólogo inglês Desmond Morris, no clássico livro O macaco nu, de 1967, defende que a evolução da postura ereta em humanos teria dificultado a fertilização, já que nas fêmeas humanas atuais o orifício externo do colo uterino, por onde o esperma tem que penetrar, situa-se em posição superior da vagina.
Segundo essa hipótese, o relaxamento muscular decorrente do orgasmo induziria a mulher a permanecer deitada após o ato sexual, aumentando suas chances de fertilização. Contudo, a ocorrência de orgasmo em diversos animais quadrúpedes sugere que essa hipótese não é correta.
Outra hipótese adaptacionista baseia-se no fato de que, como o bebê humano nasce mais indefeso do que os filhotes da maioria dos animais, sua sobrevivência só é assegurada pelos cuidados da mãe e do pai. Segundo essa proposta, os orgasmos – tanto o masculino quanto o feminino – seriam um incentivo prazeroso para selar a aliança do casal e favorecer a sobrevivência dos filhos.
O problema com essa hipótese é que o orgasmo, da mesma forma que pode ajudar a criar um vínculo de longo prazo em um casal, pode também ser o estímulo para que um dos parceiros resolva ‘pular a cerca’ e ter relações sexuais extraconjugais.
Carlos Roberto Fonseca
Departamento de Botânica, Ecologia e Zoologia,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte