Mudanças inevitáveis
por Luis Carlos de Menezes
Não se muda a educação simplesmente com leis, e o ensino médio pouco mudou desde que, em 1996, ganhou nova definição legal, que garantiria “preparação básica para o trabalho e a cidadania” e adotaria “metodologias de ensino e de avaliação” que estimulassem a “iniciativa dos estudantes”. Da mesma forma, foi ignorada, em seguida, a regulamentação para se organizar o ensino em áreas do conhecimento e possibilitar que, de acordo com demanda local, um quarto do tempo fosse dirigido para, por exemplo, prover preparação vocacional ou profissional.
A orientação legal atendia corretamente a necessidades identificadas, mas, para um sistema conservador e imaturo, as áreas continuaram fictícias, prevalecendo a divisão disciplinar da propedêutica abstrata. Perfilados em aulas expositivas, os estudantes continuaram sem chance de iniciativa, seja no aprendizado ou em sua avaliação. Mudanças de conteúdo, não de método, só começaram a ocorrer bem depois, com o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) servindo de acesso ao ensino superior com questões que, pelo menos, ambientam conhecimentos em algum contexto.
Vestibulares anacrônicos continuam sinalizando velhos conteúdos, redes escolares continuam presas a ‘grades curriculares’ disciplinares e a formação dos professores continua sendo feita em instituições alheias às mudanças e longe da vivência escolar.
Nesse ínterim, a tecnologia da informação invadiu o cotidiano de todos, a automação e a informatização passaram a realizar qualquer atividade rotineira. É uma condição em que qualificar para a cidadania e para o trabalho digno seria prover interesse pela cultura e preparar para tomar iniciativa com critérios práticos, éticos e estéticos, ou seja, para tudo o que não pode ser feito por máquinas e sistemas. Isso nos traz à circunstância atual, em que modificações profundas no ensino médio se revelam inevitáveis.
É fato que a história não parou nas duas décadas desde aquela reforma educacional, tendo se universalizado o acesso ao ensino fundamental e sido criado um sistema de avaliação escolar que, pelo menos, nos mostra a ineficácia de nossa educação e sinaliza mudanças, algumas já iniciadas, como a efetiva incorporação da educação infantil à educação básica. De natureza conceitualmente mais radical, contudo, é a transformação necessária à condução do ensino médio, para que não se resuma a preparar para o ingresso ao ensino superior ou a ser uma espera pela maioridade subempregada.
A escola do ensino médio vai encontrar seu novo sentido quando for conduzida em corresponsabilidade por toda sua comunidade, tendo seus estudantes como partícipes ativos de sua reformulação, em protagonismo ao lado de seus professores, que hoje só reproduzem uma ementa prefixada. Nas atividades reais dessa escola, em que o mundo será visto como espaço para proposições, e não de opções de consumo, os jovens experimentarão suas vocações e buscas culturais e profissionais, que não se escolhem em ‘catálogo’. E, em sua nova configuração, a escola envolverá as modernas tecnologias de informação, como o intercâmbio nas redes sociais virtuais, em lugar de competir com elas pela atenção de seus alunos, como acontece hoje.
Esse novo ensino médio já se insinua, já se apresenta em projetos ambiciosos e se experimenta em exemplos ainda isolados, mas convincentes. Ele se instalará quando o conservadorismo não puder mais resistir e, para isso, seria ótimo contar com a academia, na reformulação curricular e na formação de professores, mas isso depende de uma maior aproximação entre ela e a escola. Sensibilizar as universidades nesse sentido é a principal razão deste breve ensaio.
Luis Carlos de Menezes é professor do Instituto de Física e orientador do programa de Pós-graduação Interunidades em Ensino de Ciências da Universidade de São Paulo
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Um nó que exige coragem e criatividade
por Maria Helena Guimarães de Castro
É quase lugar-comum falar dos números trágicos do ensino médio brasileiro. Nos últimos 10 anos, inúmeras pesquisas e avaliações apontam problemas recorrentes que atestam o fracasso do nosso sistema. Altas taxas de abandono e reprovação, estagnação do número de concluintes, baixíssimos índices de desempenho nas avaliações nacionais e internacionais, elevada proporção de jovens fora da escola.
As causas do fracasso costumam ser atribuídas a fatores também bastante conhecidos. Faltam professores em várias disciplinas, faltam laboratórios e equipamentos, faltam aulas que incentivem a curiosidade e o protagonismo juvenil. Nossos alunos passam em média quatro horas por dia na escola, quando a média internacional é de seis horas.
Há evidências sobre o desinteresse dos jovens pelo currículo fragmentado e descontextualizado, distante do mundo real. Destaca-se, sobretudo, a falta de qualidade do ensino fundamental, incapaz de oferecer aos egressos as habilidades de leitura, escrita, conceitos básicos de matemática e ciências para que sintam prazer em aprender e se preparar para o futuro. Na verdade, o problema maior reside na própria arquitetura do sistema, engessado num modelo único que pretende oferecer formação geral para todos e de fato molda uma escola sem sentido e relevância para a maioria dos estudantes.
As respostas do Ministério da Educação ao quadro desalentador do ensino médio brasileiro passam longe dos problemas e parecem ignorar as evidências disponíveis. Primeiro, atrelou o currículo do ensino médio ao ‘novo Enem’ implantado em 2009, como se a única saída possível fosse ingressar na universidade. Voltamos ao modelo de vestibular centralizado que cobra conteúdos e conhecimentos ditados pelas instituições mais competitivas interessadas em selecionar os melhores candidatos. Em segundo lugar, passou a incentivar o ensino técnico, sem mexer na formação geral do nível médio. Em ambos os casos, permanece a lógica do currículo tradicional e o caminho único de formação no nível médio, sem espaço para a diversificação do sistema. O resultado é a continuidade de um modelo fracassado que, em nome da defesa da “formação geral para todos”, está expulsando os jovens da escola ou formando estudantes despreparados.
Mesmo sabendo que esse ensino enfrenta problemas no mundo todo e que vive atropelado por reformas aqui e ali, vale a pena debater o futuro do ensino médio brasileiro com coragem e criatividade. Por que não pensar em oferecer a formação geral até os 15 anos de idade e depois diversificar o sistema como fazem os países europeus? Por que não discutir alternativas curriculares que abram a possibilidade de aprofundamento de estudos em áreas específicas, como na Inglaterra?
Ou nas escolas temáticas de ensino médio, como nos Estados Unidos? Por que todos os alunos devem obrigatoriamente seguir o mesmo currículo de matemática ou de física se pretendem seguir carreira de música ou direito? Por que não introduzir componentes mais práticos no currículo como informática ou economia financeira? Por que um aluno que opte por um curso técnico de microeletrônica deve obrigatoriamente seguir o currículo único de formação geral, mesmo que as disciplinas não acrescentem nada aos objetivos da área?
Não existem respostas prontas para o enfrentamento desse nó. Mas não se pode aceitar a situação atual e fingir que tudo se resolve com mais ensino técnico ou mais universidades, sem mudar a estrutura do ensino médio. Afinal, já faltam estudantes para preencher as vagas nos cursos superiores, cresce a evasão nas faculdades e nos cursos técnicos, sobram vagas no mercado de trabalho em busca de profissionais mais qualificados.
Maria Helena Guimarães de Castro é diretora-executiva da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados de São Paulo e membro de Conselho Estadual de Educação.