2015: péssimo ano para o meio ambiente brasileiro

O ano de 2015 foi repleto de incidentes e decisões políticas críticas que colocaram a biodiversidade aquática em sério risco no Brasil. Em uma sequência de resoluções cientificamente infundadas, que visam a efeitos em curto prazo, o Brasil parece negligenciar suas maiores riquezas: suas águas e recursos naturais associados. Enquanto a 21ª Conferência das Partes da Convenção­Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP­21) ocorria em Paris, em dezembro último, o Brasil mantinha uma série de decisões ambientais sem sentido.

No início de outubro passado, o período de fechamento anual de pesca (defeso ou piracema) foi suspenso pelos ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Meio Ambiente para diversas regiões do Brasil, incluindo a Amazônia. Esse período é o principal motor de sustentabilidade da pesca, pois garante a chance de reprodução e leva à manutenção dos estoques pesqueiros.

A justificativa foi a crise econômica (que, para muitos, não existe). O governo afirma economizar cerca de US$ 880 milhões (algo em torno de R$ 3,2 bilhões) em subsídios aos pescadores pela inatividade no período. Tal suspensão é uma séria preocupação para a conservação e a pesca sustentável. Há um grande potencial para estimular a pesca predatória e reduzir a abundância dos estoques pesqueiros em uma escala de tempo curta.

Outra atitude de negligência política, corrupção e falta de vigilância por parte do governo brasileiro foi a ruptura de uma barragem com capacidade para 50 bilhões de litros de resíduos de mineração, em Mariana (MG), em 5 de novembro último, que afetou 1,2 milhão de pessoas em dois estados brasileiros (Minas Gerais e Espírito Santo). Os políticos usaram termos como “desastre natural inevitável” para explicar esse crime ambiental de grande proporção.

As consequências podem ser apresentadas como um caso notável de esterilização biótica em grande escala, considerando que não havia mais organismos vivos logo após o incidente. As características ambientais, a biota, a qualidade da água e do bem­estar humano desapareceram na região afetada, enquanto as autoridades nacionais continuaram respondendo quase silenciosa­ mente. No início, as empresas foram multadas em cerca de R$ 250 milhões pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e em mais de R$ 112 milhões pela Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad).

Os montantes ainda não foram pagos. Os únicos valores pagos até o fechamento desta edição são R$ 500 milhões referentes à primeira par­ cela da dívida de R$ 1 bilhão cobrada pelo Ministério Público do estado de Minas Gerais. Detalhe: as em­ presas querem pagar a segunda parcela com máquinas e equipamentos utilizados na própria atividade mineradora. Considerando os problemas ambientais e sociais causados, esses valores são uma pechincha!
 

Manobras e subterfúgios

Em 30 de novembro passado, o Ministério da Agricultura anulou o decreto do Ministério do Meio Ambiente que proíbe a captura de 475 espécies de peixes ameaçadas de extinção. A Lista vermelha brasileira de espécies ameaçadas de extinção funciona como ferramenta de gestão da biodiversidade. Muitas espécies aquáticas que estão na lista são exploradas comercialmente; portanto, a indústria da pesca tem usado a sua influência política para convencer o governo a alterar as categorias de risco ou revogar a lista.

Apesar de a lista ter sido financiada pelo governo e desenvolvida por especialistas em grupos taxonômicos específicos sob os critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN), a discordância entre os ministérios, além de violar os acordos de conservação, representa mais um caso em que o conheci­ mento técnico e científico não foi levado em conta.

Além disso, em 2015, os brasileiros sofreram com a crise da água, o que levou o governo a tomar medidas drásticas, como a elaboração de projetos de desvio de água para a transposição de rios entre bacias hidrográficas isoladas (rio Piracicaba, no estado de São Paulo), sem levar em conta fatores biogeográficos ou a biodiversidade aquática. Projetos como esse já ocorrem em zonas semiáridas, como a transposição do rio São Francisco para diferentes bacias na região Nordeste (afetando o bioma caatinga). As autoridades têm sido negligentes, ou não estão cientes dos riscos associados a invasões biológicas e homogeneização biótica.

Infelizmente, as decisões arbitrárias, de cima para baixo, que favorecem exigências econômicas imediatas à custa dos recursos naturais, são recorrentes no Brasil. A comunidade científica é sustentada pelo governo para subsidiar decisões em escalas temporais e espaciais adequadas. No entanto, o próprio governo toma decisões cientificamente inadequadas, destinadas a remendar as situações em curto prazo, a fim de agradar a opinião pública ou alianças partidárias.

Enquanto o país não estiver ciente da importância de seus recursos naturais, a diversidade biológica estará em risco extremo e os prejuízos financeiros serão irreversíveis.

Detalhe: a Lista vermelha sofreu novo golpe em 2016. Agora, 698 espécies de mamíferos, aves, répteis, anfíbios e invertebrados terrestres estão ameaçadas porque nossos políticos insistem em não ouvir quando os cientistas falam.

 

Hugo José Message
Renata Rúbia Ota
Daniel Alves dos Santos
Igor de Paiva Affonso

Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aquicultura (Nupélia),
Universidade Estadual de Maringá

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