O mundo dos micro-organismos, como bactérias e fungos, é tão imperceptível aos nossos olhos que em geral esquecemos que eles existem. Às vezes, no entanto, temos que lidar com os problemas que o contato com alguns deles pode nos trazer. É o caso das manchas na pele e coceiras trazidas por uma micose, da disenteria que aparece repentinamente ou de infecções mais sérias em diversos órgãos. Com os vírus não é diferente: o primeiro assunto que surge quando se fala neles são as doenças que causam, como gripe, sarampo, dengue e muitas outras.
Ao contrário do que muitos pensam, porém, a maioria dos vírus (e também das bactérias e dos fungos) não traz problemas de saúde para os seres humanos. No caso dos vírus, eles estão presentes nos mais diversos lugares do planeta, exercendo importantes papéis ecológicos. Esses pequenos parasitas são estudados há mais de um século, mas na última década os cientistas têm descoberto novidades que trouxeram extraordinárias mudanças para a microbiologia.
Os vírus, de modo geral, apresentam estruturas bastante simples, sendo compostos pelo material que carrega informação genética (DNA ou RNA) envolto em uma estrutura formada por proteínas. Isso os diferencia de outros organismos (denominados celulares), formados por células únicas (como as bactérias) ou pelo agrupamento de células (como plantas e animais).
Eles sempre foram descritos como agentes infecciosos muito pequenos, que seriam menores que qualquer organismo celular. Para se ter uma ideia, para visualizar os vírus os cientistas geralmente usam microscópios com tecnologia avançada – os microscópios eletrônicos, que usam feixes de elétrons e campos magnéticos para produzir ampliações das amostras muito superiores às obtidas em microscópios ópticos. Já as bactérias e os fungos são facilmente visualizados em microscópios mais simples, que utilizam luz e lentes tradicionais.
Essa história, porém, está mudando. Desde que o primeiro vírus gigante foi descoberto, por um grupo de biólogos da Universidade Aix-Marseille (França), liderado por Bernard La Scola, e descrito na revista científica Science em 2003, muito do que se sabia sobre esses agentes microscópicos está sendo reavaliado. Vale dizer que esses vírus também são microscópicos, mas são chamados de ‘gigantes’ porque sua estrutura pode ser até 75 vezes maior, em diâmetro, do que alguns dos vírus já descritos (como os do resfriado ou da poliomielite).
Foi esse tamanho exagerado que, em 1992, espantou o microbiologista inglês Timothy Rowbotham e seus colegas ao estudar amostras obtidas de uma torre de resfriamento de um hospital de Bradford, na Inglaterra. Eles encontraram amebas e perceberam que, dentro delas, havia outro ‘organismo’. Diante do grande tamanho do agente, visível em um microscópio tradicional, e do fato de ter reagido a métodos de coloração de amostras apropriados para bactérias, eles o confundiram com um micro-organismo desse tipo, e o chamaram de Bradfordcoccus.
Alguns anos depois, a suposta bactéria atraiu o interesse dos pesquisadores franceses, mas estes, ao tentar sua reprodução, com técnicas rotineiras em bacteriologia, não tiveram sucesso. Intrigados, investigaram outras características do Bradfordcoccus e notaram que, além de apresentar o aspecto estrutural de um vírus, ele dependia das células de um hospedeiro para se multiplicar. Assim, quase por acaso, foi identificado o primeiro vírus gigante, chamado de Mimivirus. Logo de início, essa descoberta derrubou a noção de que os vírus – por causa do tamanho diminuto – não poderiam ser vistos com um microscópio óptico.
Outro conceito repensado a partir da descoberta dos vírus gigantes é o de que esse tipo de ente biológico sempre poderia ser separado dos micro-organismos (como as bactérias) pela aplicação de técnicas de filtragem, já que eram considerados muito menores. Diversos aspectos do uso de técnicas de filtragem em virologia vêm sendo discutidos há bastante tempo, mas para entendermos a importância dessas técnicas no desenvolvimento desse campo científico é preciso voltar mais de 100 anos na história, à época da descoberta do primeiro vírus.
Fernando Bueno Ferreira Fonseca de Fraga
Faculdade de Agronomia
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC)