Tabagismo: cérebro e mão esquerda

Parar de fumar é extremamente difícil – até porque, como mostra o excelente filme O informante (1999), um cigarro nada mais é do que um veículo para inocular nicotina em seu corpo. Então, se você está precisando de mais um motivo – além de todos os já conhecidos – para abandonar esse mau hábito, aqui vai ele: a camada que recobre seu cérebro pode parar de afinar. E, talvez, até voltar à condição normal.

Com a idade, é natural que o córtex (a ‘capa’ do cérebro) perca espessura, e esse afinamento está relacionado com o declínio cognitivo. Fumar, no entanto, acelera essa mudança de espessura. Não se sabe se em todo o córtex, mas, certamente, em algumas regiões dele, como o córtex orbitofrontal, relacionado com as tomadas de decisão.

Isso já se sabia de trabalhos anteriores.

A novidade (e, de certa forma, boa notícia) é que, se a pessoa largar o tabagismo, a velocidade do afinamento pode se reduzir ou até mesmo zerar. A conclusão é da equipe de Sherif Karama, da Universidade McGill (Canadá), ao investigar o cérebro de 504 voluntários com idades em torno de 70 anos, entre não fumantes, fumantes e ex-fumantes.

Karama: “Nossos dados mostram que ex-fumantes, como um grupo, podem acabar tendo a mesma quantidade de córtex (em algumas áreas) como a de pessoas que nunca fumaram”

A equipe observou que: i) fumantes foram os que apresentaram a menor espessura do córtex; ii) ex-fumantes tinham o córtex mais fino que os de pessoas que nunca fumaram.

Mas surgiu uma boa notícia. Aqueles que haviam largado o hábito há mais tempo tinham o córtex mais grosso do que os que haviam abandonado o vício recentemente – e isso independentemente do tempo que cada um deles havia fumado. O artigo está em Molecular Psychiatry (10/02/15).

A CH perguntou a Karama se o córtex de um ex-fumante poderia voltar a ter a espessura daquele de uma pessoa que nunca fumou. “Nossos dados mostram que ex-fumantes, como um grupo, podem acabar tendo a mesma quantidade de córtex (em algumas áreas) como a de pessoas que nunca fumaram. Tudo isso depende de há quanto tempo eles pararam de fumar e do quanto eles fumavam”. Karama, no entanto, diz que essa afirmação precisa de comprovação em experimentos com mais indivíduos.

Os mecanismos por trás dessa recuperação ainda são desconhecidos.

Mão esquerda

Kim Janda, do Instituto de Pesquisas Scripps (EUA), é um dos maiores especialistas do planeta em vacinas contra o tabagismo. No entanto, a última delas desenvolvida por sua equipe teve só 30% de eficácia. Mas, agora, ele acha que sabe por que isso ocorreu. E, a partir dessa descoberta, desenvolveu novas versões da vacina.

Nicotina
O mecanismo básico de uma vacina contra o tabagismo é fazer com que o corpo veja a nicotina como um invasor e crie anticorpos para combatê-la. (imagem: D.C.Atty/ Flickr – CC BY 2.0)

A ideia básica de uma vacina contra o tabagismo é fazer com que o corpo veja a nicotina como um invasor. E, a partir daí, crie anticorpos para combatê-la, do mesmo modo que faz contra vírus e bactérias. Para criar essa resposta do sistema imunológico, a estratégia de Janda e colegas é pegar uma molécula de hapteno (derivado da nicotina) e grudá-la à de uma proteína. O organismo reage a esse ‘binômio’ e produz anticorpos que veem a nicotina como um inimigo.

O problema é que há dois tipos de nicotina, batizadas segundo a forma (quase idêntica) de suas moléculas: nicotina de mão direita e nicotina de mão esquerda – referência à imagem no espelho de uma mão. Porém, no tabaco (cigarros, charutos, cachimbo etc.), 99% da nicotina são de mão esquerda. Mas a vacina anterior desenvolvida por Janda ‘atacava’ igualmente os dois tipos de moléculas. Ou seja, desperdiçava muita munição com um inimigo fraco (nicotina de mão direita).

A vacina que imitava nicotina de mão esquerda foi quatro vezes mais eficaz que a de mão direita e cerca de duas vezes mais eficaz que a que imitava a mistura de moléculas

Janda preparou, então, três novas versões de vacinas à base de haptenos. A ideia foi imitar: i) uma mistura de metade de nicotina de mão esquerda e metade de mão direita; ii) só nicotina de mão esquerda; iii) só nicotina de mão direita. E cada rato recebeu três doses de uma dessas vacinas ao longo de 42 dias.

Os resultados – publicados em Journal of Medicinal Chemistry (v. 58, n. 2, pp. 1.005-1.011, 2015) – mostraram que a vacina que imitava nicotina de mão esquerda foi quatro vezes mais eficaz que a de mão direita e cerca de duas vezes mais eficaz que a que imitava a mistura de moléculas.

Janda acredita que essa estratégia baseada nos tipos de ‘mãos’ seja também um bom caminho para desenvolver vacinas contra a dependência de cocaína e heroína.

A CH perguntou a Janda sobre o início dos testes da nova vacina ‘de mão esquerda’ em humanos. “Ainda não sabemos. Temos que encontrar uma companhia farmacêutica que se interesse em desenvolver a vacina”, disse o pesquisador.

Cássio Leite Vieira
Ciência Hoje/ RJ

Texto originalmente publicado na CH 323 (março de 2015). Clique aqui para acessar uma versão parcial da revista.

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