Óptica quântica e a luz do século 20

No encerramento do século 19, em 1900, uma fórmula matemática apresentada pelo físico alemão Max Planck (1858-1947), com o propósito de descrever a radiação emitida por corpos aquecidos, iria mudar os rumos da ciência nas décadas seguintes.

A fórmula de Planck traduz a observação de que a luz emitida por um objeto aquecido – como um forno de uma siderúrgica ou uma estrela – muda de cor (frequência) à medida que a temperatura aumenta, indo do infravermelho (menor frequência) para uma cor mais azulada, de frequência maior. Mais precisamente, experimentos realizados no final do século 19 mostravam que a intensidade da radiação emitida por corpos aquecidos tinha um máximo para certa frequência (cor), a qual aumentava com a temperatura, a cor variando, então, do vermelho para o violeta.

A física clássica previa, no entanto, que a intensidade luminosa emitida por um corpo aquecido aumentaria com a frequência, ou seja, seria maior para o violeta que para o vermelho, independentemente da temperatura. Assim, a cor violeta predominaria nos corpos aquecidos, contrariamente à evidência experimental.

Ao analisar o efeito fotoelétrico, o físico de origem alemã Albert Einstein conclui que a explicação desse efeito requer conceber a luz como se fosse constituída de corpúsculos, os ‘quanta’ de luz – posteriormente, denominados fótons

Planck mostrou que sua fórmula implicava uma descontinuidade na troca de energia entre um sistema elementar (átomo ou molécula) e a radiação. Essa descoberta contrariava, assim, uma linha de pensamento perseguida desde a Antiguidade e resumida na frase “Natura non facit saltus” (A natureza não dá saltos).

Cinco anos depois de Planck, ao analisar o efeito fotoelétrico – fenômeno em que elétrons são ejetados quando a luz incide sobre uma superfície metálica –, o físico de origem alemã Albert Einstein (1879-1955) conclui que a explicação desse efeito requer conceber a luz como se fosse constituída de corpúsculos, os ‘quanta’ de luz – posteriormente, denominados fótons.

No caso do efeito fotoelétrico, a física clássica previa que a energia dos elétrons deveria aumentar somente com o aumento da intensidade da luz. Mas os experimentos mostravam que uma maior intensidade da luz apenas fazia saltar maior quantidade de elétrons, mas todos com a mesma energia.

Einstein, com base nos quanta de luz, mostrou que cada elétron emitido corresponde à absorção de um fóton cuja energia é proporcional à frequência. Por isso, a energia dos elétrons aumenta com a frequência da luz, enquanto a quantidade ejetada dessas partículas é proporcional à intensidade (número de fótons) da luz incidente.

Com essa conclusão, começa uma aventura do conhecimento que iria revolucionar nossa compreensão do universo e também nosso cotidiano: daí surgiriam o laser, os aparelhos de ressonância magnética usados em hospitais, os relógios atômicos, o transistor e os computadores modernos.

Fusão de teorias

A hipótese dos quanta de luz foi recebida com relutância pela comunidade científica da época, pois parecia contradizer experimentos que demonstravam o fenômeno de interferência da luz, típico de um comportamento ondulatório. No primeiro Congresso de Solvay (Bélgica), em 1911, que reuniu físicos notáveis, o próprio Einstein manifesta sua dificuldade em aceitar essa conjectura: “Insisto no caráter provisório desse conceito, que não parece ser reconciliável com as consequências experimentalmente verificadas da teoria ondulatória”.

Natureza dual da luz
Experimentos mostram a natureza dual do fóton, que ora se comporta como onda, ora como corpúsculo: a) ao atravessar um anteparo com duas fendas, um feixe de luz produz, em um segundo anteparo, franjas claras e escuras, típicas de um comportamento ondulatório; b) no efeito fotoelétrico, um metal emite elétrons quando luz incide sobre ele, demonstrando a natureza corpuscular da luz. (ilustração: cedida pelo autor/ Wikimedia Commons)

Eis a questão profunda que atormentava os cientistas: como conciliar a ideia de que a luz é constituída de corpúsculos com a noção – comprovada experimentalmente pelo cientista inglês Thomas Young (1773-1829) em 1801 – de que a luz se comporta como uma onda, apresentando a propriedade de interferência?

Como conciliar a ideia de que a luz é constituída de corpúsculos com a noção de que a luz se comporta como uma onda, apresentando a propriedade de interferência?

A proposta indicando Einstein para a Academia de Ciências Prussiana, em 1913 – assinada, entre outros físicos ilustres, por Planck –, considera a hipótese dos quanta de luz como um deslize do candidato: “Que ele tenha, algumas vezes, errado o alvo em suas especulações, como, por exemplo, em sua hipótese dos quanta de luz, não pode realmente ser usado contra ele, pois não é possível introduzir ideias realmente novas, mesmo nas ciências mais exatas, sem algumas vezes assumir um risco”.

Em carta de 1908 a seu colaborador austro-húngaro Jakob Laub (1884-1962), Einstein revela estar “ocupado incessantemente com a questão da radiação […]. Essa questão quântica é tão descomunalmente importante e difícil que ela deveria preocupar todo mundo”. No ano seguinte, publica dois trabalhos importantes, sugerindo uma natureza dual para a luz e opinando que a próxima fase no desenvolvimento da física teórica deveria trazer uma teoria da luz que poderia ser interpretada como uma fusão entre a teoria ondulatória e a teoria corpuscular.

Esse desenvolvimento, profetizado por Einstein, foi de fato realizado pelo físico britânico Paul Dirac (1902-1984), em 1927, em um artigo que coloca em bases matemáticas precisas a teoria do fóton.

Você leu apenas o início do artigo publicado na CH 323. Clique aqui para acessar uma versão parcial da revista e ler o texto completo.

Luiz Davidovich
Instituto de Física
Universidade Federal do Rio de Janeiro

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