O analfabetismo funcional – saber ler e escrever sem compreender o conteúdo – é um dos principais fatores responsáveis pelo desempenho insuficiente dos estudantes nos diferentes níveis de ensino. Se, por um lado, professores reclamam da dificuldade de aprendizado dos alunos, por outro, os estudantes se queixam da falta de clareza nas explanações de seus mestres. Diante do impasse, um pesquisador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) desenvolveu um novo método de ensino que atende as necessidades tanto dos professores inconformados quanto dos alunos insatisfeitos.

O professor de matemática Roberto Lopes de Abreu, do Instituto de Matemática e Estatística da Uerj, percebeu que na raiz das dificuldades de aprendizagem se encontra uma deficiência do método de ensino tradicionalmente utilizado nas escolas. “Reconheço que as dificuldades de âmbitos social e econômico prejudicam o desempenho escolar dos estudantes, mas penso que não se pode imputar a esse tipo de problema a responsabilidade central com tais dificuldades”, afirma o professor que lecionou durante 30 anos na rede pública estadual.

Em suas pesquisas, Abreu comparou os resultados do método de ensino tradicionalmente utilizado – o empírico – com aqueles obtidos com a abordagem da abstração. “No primeiro, o objetivo central é a transmissão de conhecimentos já prontos, em geral em quantidade superior àquela que pode ser assimilada adequadamente pelos alunos e quase sempre desprezando o desenvolvimento das habilidades essenciais à aprendizagem”, esclarece o professor. “Já o segundo método é centrado no desenvolvimento das referidas habilidades, mas sem desprezar o conhecimento que é reconstruído em uma parceria entre o professor e os alunos que trabalham sempre coletivamente.”

Para Abreu, as pessoas podem adquirir conhecimentos sozinhas, desde que tenham desenvolvido as habilidades adequadas em nível suficiente. “Mas elas não conseguem desenvolver suas habilidades sem a ajuda do professor”, afirma o professor, que adota o método da abstração com seus alunos da Uerj. Abreu diz que o estudante, de forma geral, apresenta deficiências que poderiam ser corrigidas ao longo do período escolar com a aplicação de uma metodologia adequada. E cita como exemplos a dificuldade de grande parte dos estudantes de identificar as ações adequadas para realizar as atividades escolares e a dificuldade extrema de expressar e de compreender as idéias no contexto e no sentido adequados, em função, principalmente, do desenvolvimento insuficiente da linguagem.

Habilidades básicas
A partir de seus estudos, Abreu vem desenvolvendo experiências através do projeto Dehagecon (Desenvolvimento das habilidades de formação e de generalização de conceitos), que prioriza a área da matemática. Nesse trabalho, o professor utiliza como base as experiências sociais dos alunos incentivando-os a fazer uma análise e uma síntese dos enunciados para identificar as ações adequadas antes de realizar uma atividade proposta.

O professor afirma que suas experiências permitem estabelecer três habilidades básicas necessárias para a formação e a generalização de conceitos: identificar os indícios essenciais de uma questão, elaborar o conteúdo no grau de generalização adequado e utilizar uma linguagem apropriada para expressar a idéia. Embora venha realizando suas experiências na área de matemática, o professor afirma que o processo é aplicável em qualquer campo do conhecimento.

Comparação entre os desempenhos dos alunos com maior (A) e menor (B) desenvolvimento das habilidades básicas, no curso de introdução à lógica, ministrado no segundo semestre de 2003.

Testando o método
Depois de acompanhar e verificar, no âmbito da disciplina Introdução à lógica, a eficácia da metodologia que vem desenvolvendo, o professor está ampliando a base de suas pesquisas através de três projetos específicos: o “Estrigapren”, com uma amostra constituída por alunos do ensino médio da rede pública, utilizando a trigonometria; o “Aprendendo a aprender matemática”, que trabalha com universitários recém-ingressos nas faculdades de Ciências Econômicas e de Administração e Finanças, e o Dehagecon/Pro-iniciar, no qual os resultados das experiências são aplicados no ensino de conteúdos da educação básica a estudantes de todos os cursos da Uerj que ingressaram pelo sistema de cotas. O pesquisador conta com uma equipe de 14 pessoas, sendo três professores substitutos e 11 estagiários, alunos do curso de licenciatura em matemática, que estão sendo preparados não apenas para aplicar a metodologia após a conclusão do curso como, também, para prosseguir com as pesquisas.

Os resultados já obtidos com o projeto Dehagecon, ainda que parciais, indicam que a metodologia desenvolvida é eficaz quanto ao desenvolvimento das habilidades básicas para a formação e a generalização de conceitos. Mostram, também, que o desenvolvimento de tais habilidades resulta em um desempenho escolar significativamente melhor. As análises dos resultados das experiências realizadas no primeiro semestre de 2005, comparadas com as do desempenho dos alunos nas disciplinas que estão cursando, possibilitarão uma visão mais abrangente da eficácia da metodologia.

Formar professores de matemática diferenciados, capacitados para prosseguir os experimentos aperfeiçoando a metodologia desenvolvida e para aplicá-la na educação básica, constitui uma contribuição significativa para a melhoria da qualidade do ensino e para a superação das dificuldades de aprendizagem. Esse é um dos objetivos do pesquisador, que busca tornar o estudo da matemática uma experiência mais interessante e agradável para as próximas gerações.

Mário Cesar Filho

Ciência Hoje/RJ

 

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